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Não me lembro de uma noite em que tenha dormido tão mal como a noite da passada segunda-feira. Curiosamente, sinto-me agora a esta hora a que escrevo, completamente desperto, como também há muito tempo não me sentia, para abordar aqui no JN uma questão absolutamente delicada. Nessa segunda-feira à noite, depois de assistir pela televisão a mais uma exibição inqualificável e a uma derrota inenarrável do F. C. Porto com o último classificado, fiz um apelo durante o programa "Prolongamento", na TVI 24, ao presidente e restantes órgãos sociais do meu F. C. Porto, para que viessem dar sinais de uma mudança a curto prazo, que permitisse criar uma esperança em relação à próxima época.
Não sei se fui devidamente ouvido, mas fui atendido. Apesar de como já disse ter sido uma das noites com menos horas de sono de que me lembro, fui iluminado por essa tal luz a que apelei e quero ser hoje testemunha e peregrino dessa nova esperança que renasceu dentro de mim. A vida tem destas coisas surpreendentes: exatamente no momento em que eu julguei que ia continuar a ter uma noite de pesadelo, eis que tive um sonho, uma noite de sonho, que me mostrou não uma, mas duas cadeiras de sonho.
Nunca tive jeito para pastor, nem para evangelizar ninguém. Mas hoje é claramente um dia excecional. Um dia que se fez dia depois de uma noite quase em claro e onde eu vi, claramente visto, o sonho de um menino que nunca teve uma vida de sonho.
Se começar por vos contar que o meu sonho tem como peças centrais duas cadeiras e duas missões espinhosas para quem nelas se sentar, logo verão as cores com que o meu sonho se pintou. As cores que inundaram o meu sonho foram o azul e o branco, duas cores que, quando unidas, já foram capazes de pôr o mundo do futebol prostrado aos pés do maior clube da nossa cidade e da nossa região.
Imagino que os leitores que me acompanharam até este ponto estejam desejosos de saber que sonho foi este, que sonho é este, que me faz escrever uma crónica tão estranha. Eis então a luz feita palavra. No dia 17 de abril Jorge Nuno Pinto da Costa é reeleito presidente do F. C. Porto para o novo mandato à frente dos destinos do clube, principal acionista de uma SAD em que detém 40% com o controlo total. Meses antes desta candidatura tinha feito uma bateria de exames médicos que comprovaram o estado de saúde inatacável e foi exatamente essa saúde apropriada que o impeliu a uma profunda reflexão sobre a sua posição no clube, o seu passado glorioso, o seu presente inglório e o seu futuro imprevisível. Depois de mais uma eleição sem qualquer oposição, no meu sonho vi um presidente completamente legitimado por uma vitória obtida na sequência de três anos complicados e desportivamente catastróficos, pela primeira vez, parar para pensar, se tudo aquilo que tinha dado ao clube valeria no futuro tudo aquilo que o clube poderia não ser capaz de lhe devolver. No reino do desporto, aquilo que se dá em vitórias, títulos, conquistas, construções, equipamentos, mais-valias, paixões, normalmente recebe-se em distinções, honrarias, mordomias, louvores, estátuas, bustos, mas também numa saída em grande estilo pela maior porta que existir. No meu sonho, Pinto da Costa segura em cada mão os troféus de campeão Europeu, equilibra na cabeça, empoleiradas, as duas Taças da UEFA / Liga Europa, no cinto que lhe sustém as calças estão pendurados os 20 títulos de campeão, nas orelhas, pendem brincos com reproduções de duas Taças Intercontinentais, Campeonato Mundial de Clubes e Supertaça Europeia, na bainha das calças erguem-se as 12 Taças de Portugal, nos bicos dos sapatos ajeitam-se as 19 Supertaças de Portugal e a compor o ramalhete saem dos bolsos medalhas e condecorações variadas e demonstradoras do apreço e do reconhecimento de gente do clube, de outros clubes, de outras cidades, de outros países, gente de outro mundo e de outros mundos. O presidente está à porta do Museu sabendo que nem precisa de entrar, num sítio de onde nunca sairá. Mas neste dia de junho de 2016, está lá por uma razão especial: no espaço dedicado às novidades chegaram, novinhas em folha, douradas, duas cadeiras de sonho.
O presidente Pinto da Costa senta-se na do clube e respira fundo. No fundo, aliviado. Ato contínuo, sorriso rasgado, entra no Museu e senta-se na cadeira ao lado, destinada ao presidente da SAD... André Vilas Boas.
São 7 da manhã e acordo estremunhado. Percebo logo que era um sonho. Mas começo o dia com outra esperança. Sinto que recebi o sinal que pedi.
Podem rir-se, mas antes isto que continuar a acreditar em milagres novos com santos velhos.
