Não é o tempo da política mas, de uma vez por todas, temos que ser capazes de fazer juízos a quente. Durante décadas, lidamos com os fogos florestais da mesma forma, através de uma intensa indignação glorificada a revolta que depois se esvai à medida que o fumo se dissipa. Reacendemo-nos em ciclos de semelhança intercalados com períodos de maior acalmia que nos convencem ser ausências. Não são. O problema existe em todos os anos, mesmo aqueles em que nos parece que o verão acontece sem trazer calamidades maiores, sem fazer soar alarmes de catástrofe. Acontece que nem todos os anos temos sorte.
Os fogos de 2017 ensinaram-nos algo e trabalho foi feito na percepção da realidade e actualização dos registos. De alguma forma, as tréguas que, ainda assim, nunca nos retiraram dos piores indicadores da Europa nesta matéria, pareciam apontar que pior do que acontecera seria impossível. Mas, sete anos depois, o que mudou estruturalmente na identificação das patologias não produziu melhor ou mais capaz resposta, muito por falta de coragem para abordar as verdadeiras reformas que gritam há tanto tempo por gente que seja capaz de as fazer. É fácil apontar o dedo aos incendiários reais e aos fantasmas.
Qualquer reforma do ordenamento e da gestão da floresta ou dos territórios só pode ser letra viva depois da alteração da legislação sobre a propriedade no âmbito do direito sucessório. De pouco ou nada adianta ditar novas regras quando 60% da propriedade privada dos terrenos florestais pertencem a pessoas que já faleceram e a famílias eternamente em conflito sobre partilhas. Convenhamos, não há terreno mais consensual como o dos fogos florestais para fazer reformas. Se a classe política não se consegue pôr de acordo para legislar sobre matérias tão sensíveis que merecerão o apoio da maioria, o que fará sobre dossiers que são verdadeiramente fracturantes.
Não sabemos se as acusações de fogo posto em larga escala de Luís Montenegro fazem sentido, mas seguramente que muito contribuem para lançar as verdadeiras questões de prevenção e meios para as labaredas do purgatório. Porque enquanto o diabo atiça o fogo e folga as costas, as grandes decisões que nos atiram para este inferno continuam por tomar. A coragem para as reformas estruturais continua na gaveta e lá vai ficar se não exigirmos, ainda a quente, que a bandeira da inacção e da pirataria política seja retirada do mastro. Este, sim, um fogo posto. Hoje, após sete mortes, ao continuar a baixar a bandeira para decretar luto nacional, apenas nos despejamos moralmente numa culpa colectiva conveniente que nada resolve, vazios.
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

