Uma boa parte dos portugueses que entregaram a declaração de IRS ficaram desiludidos com o valor, pois muitos estavam habituados a receber e, este ano, vão ter de pagar. A quebra no reembolso face ao ano passado é maior nos salários que rondam os 1700 euros brutos, a média do país, podendo chegar a 40% do vencimento.
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Um casal com um filho que entregue um IRS conjunto e tenha rendimentos de 3600 euros, 1800 euros cada um, terá de pagar 313 euros no reembolso deste ano, quando no ano passado recebeu 1127 euros. A diferença é de 1440 euros, ou seja, 40% do rendimento familiar, segundo as simulações da consultora Ilya, feitas num cenário de dedução das despesas gerais e familiares em 250 euros por contribuinte.
A diminuição do valor a receber no reembolso de IRS não significa que o imposto pago foi maior, pelo contrário. O imposto baixou no ano passado e, com ele, foram alteradas as tabelas de retenção na fonte, o que fez com que os portugueses descontassem menos IRS no salário mensal, com consequente prejuízo no reembolso. No cenário do mesmo casal, apesar da diferença de 1440 euros no reembolso, o imposto total entregue ao Estado (retenção na fonte mais reembolso) foi menor, pois passou de 8123 euros para 6519 euros. No fim de contas, ficaram a ganhar.
Balcões do Fisco cheios
Segundo as mesmas simulações, a redução no reembolso deste ano é menor nos rendimentos mais baixos. Para salários de mil euros, a diferença é de 20% no acerto individual e de 10% no reembolso conjunto. À medida que o rendimento sobe, também aumenta a diferença face ao ano passado, mas só até ao patamar dos 1800 euros. A partir daí, a penalização de 40% do salário no reembolso de um casal diminui (ver infografia) para 35%.
Luís Leon, fiscalista e fundador da Ilya, realça que as diferenças deste ano significam que o Estado “não nos tirou dinheiro que não devia e na altura em que recebemos o salário ficamos com mais dinheiro no bolso”. Ou seja, o Governo não tem culpa, mas sim mérito: “O que parece é que alguns portugueses e a Oposição querem é que o Estado seja o fiel depositário das nossas poupanças. Queremos mesmo confiar que seja a classe política a ficar com o nosso dinheiro para depois mais tarde nos devolver?”.
A redução do valor do reembolso está a levar muitos portugueses a contratarem contabilistas para procederem à entrega, revelou à Lusa Paula Franco, bastonária da Ordem dos Contabilistas: “Normalmente já éramos solicitados para o preenchimento da declaração, mas este ano, como está mais complexo, e com a redução do reembolso, as pessoas estarão com receio de estar a fazer algo mal, recorrendo a profissionais”
Da mesma forma, os trabalhadores das repartições das finanças estão a registar um acréscimo de procura por parte de contribuintes que “querem saber o que aconteceu”, revela Gonçalo Rodrigues, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos. Estes contribuintes procuram explicações e causam um acréscimo de trabalho em profissionais que “já estavam sobrecarregados”.
Até terça-feira, segundo o Portal das Finanças, foram entregues 1,8 milhões de declarações de IRS referentes à atual campanha. No ano passado, até agosto, foram 6,6 milhões.
Governo lança campanha para explicar
Desde que a campanha da entrega das declarações deste ano se iniciou, no início do mês, que o Governo tem em curso uma campanha de comunicação nas redes sociais destinada a explicar aos contribuintes porque é que vão receber menos no reembolso do IRS, ou porque é que vão pagar quando costumavam receber.
As contas do Governo estão particularmente ativas sobre esta matéria no ‘Instagram’ e no ‘X’, onde as palavras mais usadas são “IRS para todos” e “literacia financeira”. Nos vídeos, fotografias e “reels”, o Governo explica que a redução do reembolso se deve à diminuição das retenções na fonte mensais, sendo que o valor global do imposto foi mais baixo que o habitual, realça o Executivo.
Consignação de 1% para instituições não prejudica
A redução do valor do reembolso do IRS pode levar alguns portugueses a deixarem de consignar uma percentagem do imposto para instituições sociais e humanitárias, o que está a preocupar a instituições, mas quem escolher doar uma parte nunca sairá prejudicado.
A consignação de 1% do IRS para instituições sai do montante do imposto que vai para o Estado, sendo que para o contribuinte nada muda no valor a receber ou a pagar. O padre Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade sublinha que “é mais importante do que nunca” explicar às pessoas “que não perdem nada se consignarem 1% do IRS”.
Todos os anos, uma parte da receita das instituições sociais advém do IRS. Não é muito, diz Lino Maia, mas as instituições já estão a contar com essas verbas: “É um contributo que representa uma pequena percentagem da receita das instituições. É bom, mas não é significativo”.
A percentagem de IRS que é possível doar a uma instituição duplicou, este ano, de 0,5% para 1%. As novas regras entram em vigor já neste acerto, relativo aos rendimentos de 2024. O objetivo foi “reforçar a liberdade” dos portugueses, justificou Leitão Amaro, ministro da Presidência, enquanto o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, estimou que o alargamento vai custar 40 milhões de euros por ano.