Exigir um pacto de não agressão ao agressor é uma moratória que tem os dias contados. Depois de décadas intermináveis de conflitos, a escalada de violência que na próxima madrugada assinalará sete dias volvidos tornou evidente o ataque surpresa do Hamas e o falhanço rotundo dos serviços secretos israelitas. De facto, é também na surpresa que reside uma boa dose da incredulidade.
Embora com raízes bem mais fundas e seculares, o massacre de guerra foi sendo perpetrado gota a gota depois dos dias negros da guerra do Yom Kippur em 73, uma acendalha de todos os dias, sem espaço para o reconhecimento dos estados e com balística suficiente para permitir a continuidade da barbárie. A guerra nunca se serviu fria, sempre foi era dolorosa e acumulava vítimas. No entanto, dispensava esta coisa agitadora de ir massivamente às notícias. A comunidade internacional cedeu de forma permanente à geoestratégia e meteu os direitos dos povos num bem particular conceito de saco regional de guerras que não são as suas. Os mais poderosos têm esta possibilidade, dito proveito, a faculdade de escolher as “suas” guerras.
É permanente a ideia de que a comunidade internacional julga o alinhamento das suas guerras pelos seus interesses. Estamos perante um comportamento que, por vezes, incarna o mais completo cinismo e, outras, um comportamento digno de Miss Mundo em pleno acervo de distracção. Assim é, perante algumas guerras selectivas. Quer pouco, faz nada, mas deseja muito.
O Hamas não defende os direitos dos palestinianos, assim como a ETA não defendia os direitos dos bascos, assim como o IRA não defendia os direitos de alguns irlandeses, assim como o grupo paramilitar-governamental Wagner não defende os direitos dos russos, assim como um governo extremista em Israel não defende os direitos dos israelitas. É de singular assimetria e simbolismo que o mais visível acto bélico que parte da Faixa de Gaza tenha como alvo o mais radical e autoritário governo de Netanyahu.
O governo de emergência e união nacional antecipa o fim da contestação à reforma do sistema judicial israelita e a sua composição não abdica dos partidos de extrema-direita e dos dois partidos ultraortodoxos. Perante a complacência, a incapacidade da comunidade internacional para gerar consensos é uma máquina imparável de agitação do paradigma da guerra. A União Europeia tem uma palavra. A cumplicidade perante a ocupação é a mesma que não podemos ter com a barbárie do Hamas ou com a resposta desmedida que se antecipa de Israel. Infelizmente, não há uma liderança mundial que assuma o momento como um ponto de acentuação para parar.
*o autor escreve segundo a antiga ortografia

