João Gonçalves

O segundo "milagre de Tancos"

Decorreu ontem, em Lisboa, uma parada militar para celebrar o armistício de 11 de Novembro de 1918.

Maior do que esta, e com real significado político-militar, só a de 25 de Abril de 1977, a primeira de Eanes presidente e CEMGFA. Ao dirigir-se ao país através dos militares em parada, e com a autoridade única que lhe advinha do sufrágio popular e da própria tropa que colocara na ordem após o 25 de Novembro de 1975, Eanes sublinhou a "imagem de coesão, unidade e disciplina" das FA, reiterando que as Forças Armadas "só à nação" pertencem. Infelizmente, o fim do serviço militar obrigatório diluiu este conceito estratégico fundamental da ligação perene dos militares com a nação, e vice-versa, que anda perdido na retórica político-partidária de circunstância e por peripécias pouco edificantes para as instituições do Estado de direito. Nada, porém, havia a comemorar sobre Portugal e a sua participação na "Grande Guerra", um evento no qual, curiosamente, vamos encontrar uma referência a Tancos. Naquela altura, nem o oficialato nem os soldados desejavam combater num exército impreparado para tal. O partido do outro Costa, o "dono" espiritual da República, é que queria forçar a participação por razões exclusivamente domésticas. Tudo foi preparado a correr, justamente em Tancos, sob as ordens do então ministro da Guerra, e posteriormente luminária da "oposição", o coronel Norton de Matos. Cito Vasco Pulido Valente. "Improvisou tropas, comandos e armamento e, após algumas revistas cerimoniais, mandou tudo para França, sem se preocupar excessivamente com as condições de vida e de luta do Corpo Expedicionário que criara como pura peça de propaganda", o CEP, também conhecido à época pelos "Carneiros Exportados de Portugal". Não por acaso, o "Corpo", onde "a desordem era absoluta", adoptaria como hino "uma canção edificante denominada "Fado do Cavanço"". Sabemos como acabou este denominado "milagre de Tancos" num país que, em 1915, ignorava o que era a França, a Alemanha ou a Inglaterra. A estátua onde Marcelo depôs uma singela coroa de flores perpetua esse fracasso patriótico pelo qual os democráticos de Afonso Costa, e os bonzos seus aliados, foram os únicos responsáveis. À espera de um segundo "milagre de Tancos", por motivos mais prosaicos e já quase do foro da superstição, Marcelo, o PR e o comandante supremo, avisou não tolerar "que se repita o uso das Forças Armadas ao serviço de interesses, pessoas, grupos ou de jogos de poder". Suponho que a nação ainda menos.

* JURISTA

O autor escreve segundo a antiga ortografia

João Gonçalves *