PJ detém funcionária que se aproveitou de funções para forjar requerimentos de abono criado para apoiar maternidade.
A Polícia Judiciária de Coimbra deteve uma funcionária da Segurança Social (SS) que inventou cerca de 100 gravidezes para se apropriar do "abono de família pré-natal" atribuído às supostas grávidas. Com o esquema, a suspeita ludibriou a maioria dos centros distritais da Segurança Social do país e, entre 2014 e 2018, deu um desfalque ao Estado de mais de meio milhão de euros.
A funcionária, de 49 anos e casada, foi detida por inspetores da Diretoria do Centro da PJ, quinta-feira, no trabalho, no Núcleo de Prestações Familiares do Centro Distrital de Coimbra da Segurança Social. A operação incluiu buscas. Estão em causa crimes, entre outros, de burla, falsidade informática e branqueamento de capitais.
Já na sexta-feira à tarde, a mulher foi interrogada por uma juíza, que a sujeitou a apresentações diárias às autoridades e a proibiu de se ausentar do país, mas não a suspendeu de funções. À porta do tribunal, questionada pelo JN, a suspeita não quis dar explicações.
Segundo apurou o JN, a arguida é suspeita de ter forjado informaticamente largas dezenas de requerimentos de abono de família pré-natal - que visa "incentivar a maternidade" e é atribuída a mulheres com baixos rendimentos, a partir da 13.ª semana de gravidez e durante seis meses - que distribuiu pela quase totalidade dos centros distritais de SS do país, incluindo Coimbra, Porto e Lisboa.
A funcionária terá recorrido a 85 NISS (Números de Identificação de Segurança Social), alguns deles várias vezes, de mulheres de mais de uma dúzia de nacionalidades, que não terão existência real. Depois, e ainda fazendo uso das credenciais de utilizadora do sistema informático da Segurança Social, a suspeita manipulava o sistema de atribuição dos abonos, colocando os requerimentos em estado de "deferido", no primeiro dos três escalões possíveis e ainda de forma que fosse concedida a majoração máxima (só possível em situações de monoparentalidade).
A manipulação grosseira do sistema, a partir da invenção de mulheres grávidas, não era objeto de verificação por parte dos serviços dos centros distritais, tendo apenas sido descoberta ao fim de quatro anos, por mero acaso, contaram várias fontes ao JN.
Torrou o dinheiro todo
A suspeita pôs a SS a pagar as prestações dos referidos abonos, diretamente, para duas contas bancárias tituladas por si. Com um salário de cerca de 700 euros, recebeu ali, ao longo do período em investigação, uma média de 13 mil euros por mês, num montante superior a 600 mil euros.
Apesar disso, os investigadores estão convencidos de que a mulher terá gasto praticamente todo o dinheiro devido a hábitos consumistas, nomeadamente em vestuário. O marido está emigrado no estrangeiro, mas não há indícios de que o património em causa tenha sido transferido.
Pensões pagas a mortos há mais de 10 anos
O Tribunal de Contas (TdC) revelou, na semana passada, que, em 2016 e 2017, a Segurança Social pagou 3,7 milhões de euros em pensões a beneficiários que já tinham morrido, em alguns casos há 10 anos. O montante diz respeito a duas centenas de casos que foram identificados numa mera amostra de beneficiários auditados pelo TdC. No relatório da auditoria do tribunal, o TdC conclui também que, do total de 3,7 milhões de euros pagos indevidamente, 1,9 milhões não foram registados como dívida, quando foram canceladas as pensões, e não foram desencadeados procedimentos para a sua recuperação. Os restantes 1,8 milhões foram registados como dívida, mas só foram recuperados 614 mil euros - 16,6% do total. O pagamento de pensões em benefício de pessoas mortas é um problema que resulta de falhas no controlo do Instituto da Segurança Social, na sua base de dados e no cruzamento de dados. O TdC diz que a Segurança Social depende demasiado da informação de beneficiários ou terceiros.
600 mil euros
É o montante aproximado que a funcionária terá recebido. Mas o valor ainda pode aumentar.
Juízes foram todos para formação
Com o mapa judiciário de 2014, Coimbra ganhou um Juízo de Instrução Criminal com três lugares, mas, ontem, as duas juízas e o juiz ali colocados estavam todos ausentes, em formação profissional. O interrogatório da suspeita não começou de manhã, como previsto, e foi realizado por uma juíza da Instância Local.
Inspetor em greve abandona tribunal
A suspeita foi levada para o interrogatório judicial por um inspetor da PJ. Mas este, pelas 17.30 horas e quando a mulher já saíra da sala e aguardava as medidas de coação, abandonou o tribunal, em adesão à greve dos inspetores ao trabalho suplementar. No seu lugar, ficou um segurança da PJ.