Cultura

Decore este nome: Miguel Xavier

Casa da Música dedica agosto ao fado e à guitarra portuguesa. Programa arrancou com aquele que é considerado "a coisa mais importante que aconteceu no fado nos últimos anos"

Em 2015, Miguel Xavier tinha apenas 19 anos mas quando cantava, fado firme feito num homem, "O silêncio do sangue a converter/ Em fio breve o coração desfeito/ Que nas pedras acaba de morrer", já parecia saber o que Alexandre O"Neill (1924-1986) queria dizer quando, aos 30 anos, anos 50, escreveu este "Soneto Inglês".

O poema da solidão que se entranha no corpo de um coração que se esvai em dois ergueu o segundo single do ainda fresco disco de estreia do fadista de Guimarães que, assegura ao JN Ricardo Pais, corroborando a impressão de Camané, "é só a coisa mais importante que aconteceu no fado tradicional nos últimos anos."

Miguel Xavier, rapaz de 23 anos "sem tiques nem trejeitos", que desabrocha agora como um segredo - decorem-lhe o nome -, mas que o encenador conhece desde que levou ao Teatro Nacional de São João o espetáculo multidisciplinar "Sombras" [2010-2016], atua este mês ao fim da tarde, na Casa da Música, no Porto, num programa diário dedicado ao fado e à guitarra portuguesa. "Portugal a gosto" apresenta, até ao dia 31 deste mês, sete nomes, em quatro concertos cada um [ver ficha].

"Ouvi o Miguel e fiquei estarrecido, como todos os que estavam no "Sombras", entre os quais José Manuel Barreto, Raquel Tavares e Mário Laginha", lembra Ricardo Pais, que recentemente encenou o espetáculo do fadista para o "Jardim de verão" da Gulbenkian, em Lisboa. "Musicalmente é irrepreensível. Ouvi-lo é uma experiência." E se há coisa que o distingue, continua, não é a idade nem a raridade de ser homem num meio onde sempre houve mais mulheres, é isto: "É uma criatura que está no meio da tradição._Tem uma entrega e arrisca uma expressão vocal que não é apenas masculina, é muito mais do que isso." Acresce, diz, que "o conjunto de músicos que o acompanha, os Miguéis e os Teixeiras [Miguel Amaral, André Teixeira e Filipe Teixeira, ] é, só por si, um portento."

Resgatar a Tradição


De resto, foi Miguel Amaral, que assina a direção musical do disco, quem o descobriu, teria Miguel Xavier uns 18 anos. "Ele cantava, como ainda hoje, todos os dias numa casa de fados do Porto. Ouvi-o e fiquei muito impressionado", recorda. "Não era a voz, era o estilo. Era a maturidade, as escolhas musicais, e era aquela tradição toda que se ouvia quando cantava. Parecia que já tinha vivido uma série de coisas no fado._Mas não. Aquilo vinha com ele."

Miguel Xavier, que em 2015 venceu o Concurso de Fado de Lordelo do Ouro, certame com três décadas, ouve fado desde os quatro anos. Fazia a sesta com a avó, embalava-os um rádio sintonizado no fado tradicional. E essa tradição não mais descolou. Por onde passou, marcou. "Qualquer coisa que cante soa a fado", exclama Miguel Amaral, que com ele prepara o segundo disco. "Estamos a preparar coisas novas mas com profundo respeito pela matriz e pela linguagem do fado, que se perdeu um pouco nos últimos anos."

Programa

Miguel Xavier: 18.30h (dias 8, 15, 22 e 29)

P"las Cordas de Guitarra: 18.30h (dias 9, 16, 23 e 30)

Adriana Paquete: 18.30h (dias 3, 10, 17, 24 e 31)

Helena Sarmento: 18.30h (e ainda dias 4, 11, 18 e 25)

Francisco Moreira: 18.30h (dias 5, 12, 19 e 26)

Fado Violado : 18.30h (e ainda dias 6, 13, 20 e 27)

Mariana Correia: 18.30h (dias 7, 14, 21 e 28)

Helena Teixeira da Silva