Nacional

Eles casam mais. Quatro mil casamentos homossexuais em 10 anos

Hugo Correia e Carlos Ferreira casaram em abril de 2019

Dez anos depois da aprovação da lei que legalizou o casamento homossexual, já quase 4300 casais trocaram alianças em Portugal e são os homens que mais têm contribuído para este número (2602).

Foi a 8 de janeiro de 2010 que o projeto-lei foi aprovado na generalidade pelo Parlamento. Desde então, também já se registaram 561 divórcios. Lisboa é, de longe, o distrito com mais uniões gay, seguida do Porto, Setúbal e Faro.

O dia 8 de janeiro de 2010 está bem marcado na memória de todos os que há muito sonhavam poder casar num país que até então não o permitia. Segundo Ana Aresta, presidente da ILGA, "a aprovação da lei foi um momento histórico para a população LGBTI em Portugal, que permitiu cumprir um dos maiores desígnios da democracia: os direitos humanos e a igualdade". A lei só entrou em vigor a 5 de junho, depois de ser promulgada, a ferros, pelo então presidente da República Cavaco Silva, que assumiu que o fazia contrariado e que chegou a pedir a fiscalização da constitucionalidade.

Dois dias depois da entrada em vigor, Teresa Pires e Helena Paixão protagonizavam o primeiro casamento gay da história de Portugal. Entretanto, o casal divorciou-se, mas a marca ficará para sempre. Os 4296 matrimónios desde então não surpreendem a ILGA (dados até dezembro de 2019). "A igualdade permitiu que pessoas que viviam as suas relações no armário do silêncio e da vergonha pudessem celebrá-las como qualquer outro cidadão. E hoje parece uma questão óbvia".

Mulheres escondidas

Embora o primeiro casamento homossexual tenha sido entre mulheres, são os homens quem mais casa. Nesta década, eles disseram o "sim" 2602 vezes, face a 1694 casamentos lésbicos.

Ana Aresta acredita que "a explicação pode estar no facto de as mulheres viverem uma discriminação ainda maior; há muito silêncio em torno da sexualidade das mulheres".

Talvez por casarem mais é que foram também eles os que mais contribuíram para os divórcios, "uma realidade comum a toda a população" e que, no caso dos homossexuais, atingiu o recorde em 2019, quando 100 casais assinaram a separação.

Curiosamente, o ano passado foi também aquele em que mais casais gay trocaram alianças, quase 700. Em dez anos, os casamentos homossexuais já duplicaram.

Certo é que a lei marcou o início de uma década de grandes conquistas para a população LGBTI. "Na altura, ficaram por garantir alguns direitos, nomeadamente no que toca às questões da parentalidade. Mas, entre 2015 e 2019, estas conquistas foram asseguradas". Caso da adoção por casais do mesmo sexo, aprovada em fevereiro de 2016. "Estes dez anos são muito simbólicos".

Há dez anos, quando o casamento homossexual foi aprovado no Parlamento, Hugo Correia ainda estava "bem fechado no armário", longe de sonhar que viria a usufruir desta "conquista da sociedade civil". Hoje, guarda na memória cada fotograma do dia 26 de abril de 2019, provavelmente o mais feliz da vida dele e de Carlos Ferreira. O casal trocou alianças perante 200 familiares e amigos, na Quinta do Rio, Vila das Aves, em Santo Tirso. "Nunca imaginei que o casamento fosse tão marcante".

Hugo, 36 anos, teve que passar a barreira dos 30 para desfazer os "monstros". Tinha medo do que os amigos e família iam pensar, do trabalho. Trabalhava em televisão e ainda não tinha tido a coragem. "Há de chegar o dia em que não será precisa coragem. Isto não é uma escolha, nasce connosco".

Simplificou para os amigos: "Expliquei que usava o mesmo sistema operativo que o Tim Cook, que é o CEO da Apple, que é homossexual". Assumiu em 2014, para alegria de uma família que só o queria feliz. E conheceu Carlos Ferreira, 43 anos, na "melhor bússola de relações do século", o Tinder, em 2016.

Precisamente três anos depois de começarem a namorar, casaram. "Senti uma energia tão generosa à nossa volta. Foi o dia mais feliz da minha vida". Por não haver noiva nem ramo, recriaram o programa de televisão Roda dos Milhões - Jorge Gabriel, apresentador, estava entre os convidados - e fizeram a Roda dos Solteirões para sortearem o solteiro e a solteira a quem, como manda a tradição, calhará a sorte de casar.

Horas depois, mudavam o estado civil no Facebook. "É um privilégio encontrar a pessoa que amas e poder casar com ela. O casamento é um reconhecimento social. O nosso dia foi maravilhoso, foi um exercício pedagógico percebermos que, no final e para nossa surpresa, tínhamos 200 pessoas de lágrimas nos olhos".

Hoje, vivem em Espinho. Desde que casaram, nem Hugo, que trabalha em produção de vídeo no Porto, nem Carlos, que é advogado em Arouca, sentiram preconceito. "Estava com receio, por trabalhar numa vila, num meio pequeno. Mas o efeito foi contrário: as pessoas vinham ter comigo dar-me os parabéns", conta Carlos, que se recorda do dia em que a lei foi aprovada.

"Foi histórico. Do ponto de vista legal, faz toda a diferença. É ter direito a uma pensão de viuvez, saber que o teu marido vai ser teu herdeiro. O casamento tornou-nos visíveis à luz da lei".

Carlos reconhece que ainda há quem olhe para "os casais de homossexuais como casais de segunda". E Hugo sabe que "enquanto houver pessoas que acham que é uma lei revogável, o caminho continuará por percorrer". A festa foi tão bonita, que os amigos pedem-lhes para celebrarem sempre os aniversários. E eles acreditam "que vai ser para a vida".

Catarina Silva