Economia

Há cartões com juros duas vezes acima do limite legal

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Consumidores pagam dívida ao longo de anos, mas esta não pára de crescer. Espanha decidiu que se trata de usura e condenou a Wizink.

Há cartões de crédito a cobrar taxas de juro de 37,3% quando o limite máximo atual é de apenas 15,7%. Em Espanha, ao abrigo da lei da usura, a Wizink foi condenada a anular a dívida de um cliente ao qual estava a ser cobrado mais do dobro dos juros médios de mercado num cartão de crédito. Por cá, o Banco de Portugal (BdP) estabelece as taxas máximas admissíveis em cada trimestre para contratos novos, admitindo que possam vigorar para sempre. Os juristas ouvidos pelo JN asseguram que a acusação de usura também pode ser válida em Portugal.

"O valor que gastei foi 1900 euros, o juro que estão a cobrar é de 27%. Não vejo a conta a diminuir, há dez anos que pago e tenho ainda em dívida um valor de 3732,89 euros." O relato é real, de uma cliente portuguesa de um cartão de crédito da Wizink, a segunda marca mais reclamada em 2018 junto do Banco de Portugal. Num caso semelhante, em Espanha, o Supremo Tribunal considerou que os 27% de juros cobrados a uma cliente eram manifestamente usurários, por serem mais do dobro da média de mercado e já terem permitido pagar a dívida com lucro para entidade de crédito.

Juros para sempre

O BdP não revelou, ao JN, que medidas toma perante as queixas, assegurando que fiscaliza o cumprimento dos limites máximos ditados a cada trimestre e a atribuição de crédito sem análise de solvabilidade dos clientes. O JN sabe que, na marca em questão, os aumentos do plafond de crédito são efetuados periodicamente, sem qualquer contacto com os clientes ou análise da situação financeira pessoal, mas a Wizink garante que "cumpre estritamente com a regulamentação vigente". As taxas de juro de 37,3%, que caíram para metade nos últimos oito anos, são válidas para contratos de 2008, pois não têm "efeito retroativo", no entender do banco.

Ações coletivas

O mesmo argumento é utilizado por outras marcas de crédito, nomeadamente do Santander, que também possui cartões com taxas de juros de há dez anos. "O recurso ao crédito do cartão é decisão a todo o momento do cliente em função das sua necessidades e com o adequado conhecimento das condições de utilização", refere fonte do banco Santander.

"Contrato celebrado há mais de dez anos com base em cartão de crédito com juros da ordem dos 27%, 35%, 40% é naturalmente usurário", entende Mário Frota, jurista e diretor da Associação Portuguesa de Direito do Consumo. "A revisão impõe-se por não poder haver contratos vitalícios. Não pode haver sujeição eterna dos hipervulneráveis consumidores aos senhores da banca e da finança. O recurso a ações coletivas será recomendado e as entidades com legitimidade processual para o efeito são o Ministério Público e a Direção-Geral do Consumidor", recomenda.

Contratos agressivos

A Wizink foi a campeã da categoria no Portal da Queixa, com 549 reclamações em 2019 (+22% do que em 2018), na sua maioria devido às tentativas de cancelamento (187) e a cobranças e/ou comissões indevidas (163). Segundo a administração do portal, a postura da marca perante a insatisfação dos clientes é "distante e desinteressada".

Cabe aos clientes "resolver o problema antes que se transforme numa bola de neve", como recomenda Zita Medeiros, advogada na sociedade Nuno Cerejeira Namora, Pedro Marinho Falcão & Associados. Preocupada que as "vendas agressivas, por telefone ou nos centros comerciais", não permitam aos clientes analisar as condições do contrato, a advogada recomenda que, caso se arrependam, "cancelem o contrato por carta registada e inutilizem o cartão". Caso a entidade não explique as condições ou o consumidor considere que lhe foi atribuído um limite de crédito acima da capacidade de endividamento que possui, pode enviar queixa ao Banco de Portugal.

"A lei espanhola não é tão diferente da portuguesa. Embora os limites dos juros considerados usura sejam, desde 2010, determinados pelo Banco de Portugal, o Código Civil protege o cliente se tiver existido aproveitamento da falta de informação, da necessidade do momento ou de qualquer outra desvantagem do momento", considera Zita Medeiros, que aconselha a invocar aquele argumento em caso de litígio [ler entrevista ao lado].

É urgente, portanto, que os consumidores verifiquem se a taxa de juro dos seus cartões de crédito excede abusivamente a taxa em vigor [ver infográfico]. Em caso afirmativo, deverá denunciar o contrato por carta registada e inutilizar o cartão.

O valor em dívida terá de ser liquidado, porém, há várias ofertas de mercado para transferir esse valor para condições mais vantajosas noutra empresa. A Puzzle, marca de crédito do BNI Europa, por exemplo, oferece metade dos juros (7,3%) durante um ano a quem transferir dívida.

Erika Nunes