O Ministério Público de Braga acusou a Irmandade de Santa Cruz, a mais antiga de Braga, e o seu ex-provedor, Carlos Cruz Vilaça, de 74 anos, do crime de corrupção passiva no setor privado, por terem recebido indevidamente 297 mil euros, correspondentes a "donativos" ou joias de entrada de 12 idosos no lar da instituição.
Vilaça, que foi provedor entre 2006 e 2014, é acusado de, à revelia das normas constantes dos acordos celebrados com a Segurança Social, exigir verbas que oscilavam entre dez e 40 mil euros, para garantir a admissão de pessoas idosas nas instituição.
O magistrado realça que a Irmandade - uma instituição particular de solidariedade social e também de direito canónico centenária, supervisionada pela arquidiocese - "não tinha uma lista de espera devidamente estruturada que permitisse determinar quais os critérios de admissão de uns utentes em detrimento de outros".
Concluiu o MP que o então provedor exigia diretamente, ou através de uma técnica do lar - que foi ilibada no inquérito -, aos filhos das pessoas candidatas a internamento no lar, verbas que chegavam aos 40 mil euros, tendo um deles pago esta quantia para que o seu familiar fosse admitido.
Noutros casos, eram exigidos 25 ou 20 mil, mas quando os familiares diziam não ter essa quantia, chegavam a aceitar uma joia de dez mil euros. Alguns utentes começaram por pagar 15 mil euros, vindo depois a doar outro tanto.
Estado reclama "lucros"
A acusação diz que o arguido bem sabia que, "ao exigir aquelas quantias como condição de admissão dos utentes no lar, e ao embolsá-las em proveito da Irmandade, agia em desrespeito da comunidade última de cooperação e das finalidades de solidariedade e de bem público que a sustentam, nomeadamente o de privilegiar a admissão de grupos mais desfavorecidos social e economicamente, violando os acordos estabelecidos nesse sentido". Concluiu, ainda, que, "no leque dos requisitos necessários à admissão de um utente, não estavam contempladas doações ou promessas de doações".
O MP pede a perda da vantagem adquirida (os 297 mil euros) a favor do Estado, o que significa que, para além de ter de, eventualmente, de restituir os valores pagos aos utentes e aos familiares, perderá aquela soma para o erário público. Este montante será pago - pede o MP - e se houver condenação em julgamento, solidariamente, entre a Irmandade e o ex-provedor. A Irmandade tem acordos com a Segurança Social nas áreas de estrutura residencial para pessoas idosas, centro de dia, creche e educação pré-escolar.
O inquérito conta com 18 testemunhas, a maioria dos quais familiares dos utentes.
Ex-provedor tranquilo com contas
Em 2014, quando confrontado pelo JN sobre um pedido de auditoria às contas feito pelo novo provedor da Irmandade de Santa Cruz, Luís Rufo, Carlos Cruz Vilaça - que o JN não conseguiu contactar - disse estar de consciência tranquila. Negou, ainda, a acusação de má gestão na política de admissão de pessoal, por haver 60 pessoas a mais. No inquérito, e segundo fonte ligada ao processo, Vilaça negou ter agido em proveito pessoal quando pediu o pagamento de joias avultadas, aproveitamento que, de resto, não consta da acusação do Ministério Público.
Lar assolado por covid-19
Nos últimos seis anos, Luís Rufo, um advogado católico que foi escolhido expressamente pelo arcebispo de Braga para provedor e evitar a falência da Irmandade - que está prestes a comemorar 500 anos de existência - enfrentou uma nova crise, a da covid-19, que atacou o lar, em força, matando dois utentes e infetando vários outros.
Diocese ajuda em buraco financeiro
Em 2014, e segundo o atual provedor, a Irmandade enfrentava um enorme buraco nas contas, que obrigou à intervenção do arcebispo, D. Jorge Ortiga, e a um financiamento bancário de 300 mil euros, só possível com o seu aval pessoal.