Economia

Portugueses estão a pagar 30 milhões por uma taxa que já devia ter acabado

Em média, a taxa custa às famílias 8,60 euros por mês João Silva/Arquivo Global Imagens

Lei de 2017 proibia empresas de gás de cobrar valor aos clientes, mas não foi regulamentada. Em média, a taxa custa às famílias 8,60 euros por mês.

Os consumidores pagam 30 milhões de euros, por ano, numa taxa de gás que já devia ter acabado. A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) lembra que, em 2017, o Governo aprovou uma lei que proíbe as fornecedoras de cobrar aos clientes as taxas municipais de ocupação do subsolo e lamenta que nunca a tenha regulamentado. O ministério que tutela as autarquias responde com um grupo de trabalho para estudar o tema. A taxa pode chegar a 41% da fatura do gás, na Covilhã, ou a 30% em Lousada.

Em considerações prévias para o Orçamento do Estado de 2021, a ANMP lembra o Governo que já por duas vezes prometeu impedir as empresas de repercutir o custo nos consumidores, mas não cumpriu. A primeira vez foi no Orçamento do Estado para 2017, mas "nada se modificou", lamenta.

Dois anos depois, o mesmo documento, para 2019, mandava o Governo rever a lei até ao final de junho desse ano. O Executivo chegou a fazer circular uma proposta de revisão, mas nunca viu a luz do dia. "Até ao momento, nada foi alterado", repete a ANMP. Agora que se está a ultimar o Orçamento para 2021, volta a fazer pressão.

O Ministério da Modernização Administrativa, que tutela as autarquias, invoca a "complexidade"e a "falta de consenso" para justificar que "importa agora constituir um grupo de trabalho formal" com o objetivo de "proceder à revisão do quadro legal enquadrador da TOS, a fim de se obter a regulamentação pretendida".

Deco quer devolução de taxa

Há anos que a Deco insiste que as empresas de gás têm de devolver o dinheiro cobrado aos consumidores. Carolina Gouveia, jurista da associação de defesa do consumidor, não tem dúvidas de que o valor cobrado em 2017 tem de ser devolvido. "Esteve em vigor uma lei que previa a proibição da cobrança e deve ser cumprida", diz.

Quanto aos anos seguintes, admite ter dúvidas sobre se a norma legal ainda está em vigor.

O próprio ministério gerido por Alexandra Leitão esclarece que está em vigor, já que "consubstancia uma norma programática", que indica caminhos a seguir, e por isso é "de aplicação diferida".

Em 2017, nos 54 municípios que a cobram, as famílias pagaram em média 8,60 euros de taxa por mês - 103 euros/ano. Para as empresas, a conta chegou aos 734 euros. Em 2018, adiantou ao JN a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), a taxa custou 29,65 milhões aos consumidores.

Num estudo de 2018, o regulador admitiu que a taxa é um "custo incomportável" para muitos consumidores, que podem escolher outras fontes de energia, onerando a fatura dos restantes. Mas também diz que a sobrevivência de algumas empresas pode ser posta em causa se arcarem com o custo da taxa, tal como ela existe hoje.

No ano passado, a proposta de revisão da lei que o Governo enviou à ANMP previa limites máximos para a taxa - que os municípios disseram ser inaceitável. Essa proposta não avançou. Agora, o ministério de Alexandra Leitão não se compromete com uma data para mudar a lei.

Telecomunicações não cobram taxa nas suas faturas

Na fatura das telecomunicações não consta a taxa municipal de direitos de passagem. Carolina Gouveia, jurista da Deco, disse que a legislação própria do setor impede que seja cobrada aos consumidores, num item específico da fatura. Mas como o preço cobrado pelas empresas é fixado de forma livre, nada as impede de repercutir o valor no custo do serviço. No caso do gás natural, diz, as tarifas são reguladas, pelo que têm de ser "mais transparentes no que cobram aos consumidores", diz Carolina Gouveia.

Alexandra Figueira