Número de cadáveres acumulados na Medicina Legal chegou a 80 nos primeiros meses da pandemia. Mortalidade geral entre março e outubro aumentou, mas fizeram-se menos autópsias.
O Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses tinha nas suas diferentes instalações, ao dia de ontem, sexta-feira, 60 corpos acumulados e por reclamar. O número, segundo o instituto, "está de acordo com os valores médios que têm sido observados ao longo dos anos", não obstante o aumento da mortalidade geral registado desde o início da pandemia da covid-19 em Portugal.
Ao informar que, "atualmente, existem 60 corpos por reclamar a nível nacional", o instituto presidido por Francisco Corte Real observou que "o número de cadáveres não reclamados tem uma variação diária". E isto porque, "decorridos 30 dias sem que existam familiares que manifestem intenção de proceder à inumação dos corpos ou sem que solicitem uma permanência mais prolongada por algum motivo, o INMLCF promove um funeral social", explica.
Muitos vivem na rua
A mortalidade registada em Portugal no contexto da pandemia, entre 2 de março e 18 de outubro, aumentou 12%, segundo anunciou ontem o Instituto Nacional de Estatística [ler texto ao lado]. Porém, o número de corpos não reclamados está em linha com a média dos últimos anos e teve um pico "apenas entre março e abril", os dois primeiros meses da pandemia em Portugal, com "80 corpos acumulados", informou o INMLCF.
Na capital, os chamados "funerais sociais" são feitos pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e incluem uma cerimónia católica, enquanto no resto do país são garantidos, por regra, por protocolos com as autarquias. De 2014 a 2018, só a Misericórdia de Lisboa fez 434 funerais deste tipo. Em muitos destes casos, os corpos pertenciam a pessoas mortas que não tinham família ou afastaram-se dela, vivendo, em muitos casos, na rua.
Menos 7% de autópsias
O INMLCF também informou que já, neste ano, realizou 4855 autópsias médico-legais. Um número muito inferior ao registado no período homólogo do ano passado - 5556 autópsias - e que também representa uma queda de 7% em relação à média anual (5200) nos últimos cinco anos. Desde 2015, só em 2016 o instituto fez menos autópsias (4884) do que no presente ano, sendo que, em três dos anos, o número andou muito acima das cinco mil.
A Medicina Legal não deu qualquer explicação para o aparente paradoxo, sendo certo que as autópsias médico-legais só têm lugar quando houve morte violenta ou há suspeita de crime. Por um lado, será preciso perceber até que ponto a diminuição das autópsias se poderá relacionar com a redução da mortalidade rodoviária registada durante a pandemia. Por outro, haverá que ter em conta as estatísticas totais dos homicídios. Entre 2 de março e 26 de abril deste ano, por exemplo, consumaram-se mais três homicídios, num total de 18, do que no período homologo de 2019.
O JN solicitou uma entrevista a membro do INMLCF, para esclarecer se os recursos humanos e logísticos deste instituto tutelado pelo Ministério da Justiça, em particular no que respeita à capacidade de armazenamento das suas câmaras frigorificas, vinham permitindo uma resposta adequada aos efeitos da pandemia, mas ficou sem resposta.
Autópsias virtuais realizadas em dois corpos infetados com covid
O Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) informou que, no contexto da pandemia, houve apenas dois corpos que entraram nas suas instalações com diagnóstico de covid-19. "Sendo absolutamente necessária uma autópsia médico-legal", aqueles corpos foram sujeitos a "virtópsias", ou "autópsias virtuais", disse o instituto sediado em Coimbra, explicando que está em causa "um método científico inovador que consiste no estudo imagiológico do cadáver". No entanto, o INMLCF garantiu que tal procedimento, concebido para diminuir os riscos de infeção pelos profissionais, não deixa de ser acompanhado das análises complementares "necessárias", nomeadamente toxicológicas. Por fim, o INMLCF sugeriu ainda que aqueles pacientes de covid-19 poderão ter sido vítimas de homicídio ou outro ilícito criminal, ao observar "que as autópsias médico-legais são realizadas, nos termos da lei, quando pode existir suspeita de crime". N.M.