Justiça

Familiares de emigrantes mortos continuam sem indemnização

Carrinha onde seguiam 13 pessoas, incluindo o condutor que sobreviveu, chocou de frente com um camião em Moulins, França DR

Nem um cêntimo dos cinco milhões de euros de indemnização previstos foi pago aos herdeiros diretos dos 12 portugueses que, faz amanhã cinco anos, na noite de 24 para 25 de março de 2016, morrerem em Moulin, França, num acidente de viação na Estrada Nacional 79.

"Num caso destes, o dinheiro é a única forma que a lei encontra de compensar os herdeiros das vítimas pelo sofrimento que tiveram. Os cinco milhões é um valor que lhes é devido e não é justo estarem cinco anos à espera de uma indemnização", critica Filipe Santos Marques, advogado que representa os herdeiros diretos de sete vítimas mortais, numa ação que decorre num tribunal de Lisboa que visa a distribuição da verba.

Os 12 portugueses, com idades entre os 7 e os 63 anos, a maioria dos distritos da Guarda e Viseu, que regressavam da Suíça para passarem a Páscoa junto dos familiares, viajavam numa carrinha ilegalmente adaptada, sem condições, e conduzida por quem não estava habilitado, que colidiu com um camião

Seguradora recorreu

Após o acidente, a seguradora Liberty Seguros moveu uma ação no Tribunal da Guarda para anular o contrato, com vista à exclusão de responsabilidades, e ganhou-a. No entanto, a decisão acrescentou que os lesados do acidente não poderiam ser prejudicados, pelo que teriam de ser indemnizados. A seguradora recorreu para a Relação de Coimbra, que reenviou o caso para o Tribunal de Justiça da União Europeia para se pronunciar, o que ainda não sucedeu.

O advogado Filipe Santos Marques desde o início que defende que "não há razão" para atrasar o pagamento da indemnização, até porque, tal como pretendia, alguns meses após o acidente, o Fundo de Garantia Automóvel (FGA), que gere fundos públicos pagos pelos tomadores de seguros, uma percentagem por apólice, declarou um "fundado conflito", abrindo assim a porta ao pagamento das indemnizações, ou parte delas, independentemente dos processos nos tribunais.

"A aplicação deste mecanismo fechava este capítulo negro para os meus clientes e o FGA cumpria a função social de avançar o valor de indemnização e depois ia discutir com a seguradora sobre qual deles recai a obrigação de pagar", sustenta Filipe Santos Marques. O problema é que o "fundado conflito", apesar de ter sido declarado, não foi consequente, explica. "Esta norma obriga a acordo, a um reconhecimento de todas as partes para que depois possa ser aplicada. Neste momento, só os meus clientes concordaram. Se o FGA e a seguradora não aceitarem esta norma, não há como obrigá-los", argumenta. No entanto, Albano Bessa Monteiro, advogado da Liberty, já há três anos, em declarações ao JN, defendia que "o Fundo de Garantia Automóvel já podia ter pago as indemnizações até cinco milhões de euros, correspondente ao capital máximo do seguro", afirmou.

Supervisão de seguros não fala

A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), que gere o Fundo de Garantia Automóvel , respondeu ao JN que "não se pronuncia sobre casos concretos", acrescentando que "desencadeou todas as diligências instrutórias necessárias à recolha da prova relativa ao circunstancialismo do sinistro e à identificação das vitimas mortais".

"Agora com a pandemia, esperamos que não sejam precisos mais cinco anos para os herdeiros receberem as indemnizações", refere o advogado.

Risco não coberto

A seguradora alegou que a Mercedes Sprinter, homologada para seis passageiros, circulava com 13 pessoas, fazia transporte remunerado de emigrantes em bancos artesanais e sem cintos de segurança.

Funerais pagos

A seguradora moveu a ação no Tribunal da Guarda já depois de ter pago as trasladações e os funerais das vítimas.

Condenações

A 13 de junho de 2018, o Tribunal de Grande Instance de Moulins condenou o dono da carrinha, Arménio Martins, a quatro anos de prisão. O condutor, Ricardo Pinheiro, foi condenado a três anos.

Sandra Ferreira