Limitações pandémicas agravaram estado da criação artística não apoiada pela DGArtes. Atualmente, um espetáculo para 66 pessoas custa, no mínimo, 4500 euros.
Numa polémica intervenção, um autarca português disse há uns anos: "Quando me falam em cultura, puxo logo da calculadora". Não têm feito outra coisa as estruturas que desde o início da pandemia fazem contas à vida e só conseguem um resultado: pagar para trabalhar.
Alice Prata trabalha há mais de 20 anos como produtora e explica ao JN como se cria um espetáculo desde o zero. "O primeiro passo é conseguir dinheiro e um parceiro com espaço. Não ter espaço de apresentação próprio é uma questão relevante. Se eu quiser apresentar um espetáculo no meu quintal necessito de uma licença de apresentação para o espaço e licença de promotor. Se for ao ar livre, licença dos bombeiros e câmaras municipais e respetivos custos de licenciamento."
Ao alugar um espaço licenciado há uma garantia que todas estas questões estão asseguradas.
Salas aos milhares
O Coliseu dos Recreios, em Lisboa, terá um custo diário aproximado de 25 mil euros, enquanto o Theatro Circo, em Braga, ronda os 3 mil euros. Valores sem o aluguer de equipamento.
O JN contactou outras salas, que se escusaram a dar os seus valores em tempo de pandemia. Mas, antes da covid-19, na Altice Arena, em Lisboa, um concerto para 12 mil pessoas com plateia sentada ascendia a 72 900 euros.
A estes valores acresce o pagamento de assistentes de sala, segurança, limpeza e outros serviços, como assistência médica. Mas, como explica Alice Prata, "neste momento é impossível arranjar uma sala. Estão todas em overbooking com os reagendamentos do ano passado, porque a maioria delas tem produção própria".
Depois de contratado o espaço, é necessário alugar o equipamento técnico. Este é o passo mais caro. "Ninguém aluga só o equipamento. A isto acresce o baby-sitter: uma equipa técnica que vem vigiar o seu uso e segurança", explica a produtora.
Caso seja necessário o equipamento ficar de um dia para o outro, é necessária segurança durante toda a noite. E se se tratar de um espaço público, entra a polícia municipal. Só esta operação poderá acrescentar 500 a 600 euros à fatura. "O espaço e o equipamento são o que mais encarece um espetáculo. Não é possível fazer algo de média dimensão (plateia de 200 pessoas) por menos de 4500 euros", contabiliza. E se a lotação dessa plateia for limitada pelas autoridades de saúde a um terço, ou seja, 66 lugares, com ingressos a 10 euros, a bilheteira renderia 660 euros. Ou seja, um défice de 3840 euros. Para que o saldo fosse zero, as entradas teriam de custar 68 euros.
Aqui há que incluir outra variável, a publicidade, para garantir que o público aparece. "Um múpi é um luxo que custa 50 euros", prossegue Alice Prata. A publicidade em jornais ou as bandeirolas que se veem muitas vezes na entrada das salas não custa menos de 30 mil euros. A produtora explica que, "nesse sentido, as redes sociais vieram dar uma ajuda. Com uma campanha de 50 a 100 euros é possível ter bastante abrangência".
Os suportes físicos são cada vez mais um luxo. Folhas de sala, programas e anúncios impressos estão apenas ao alcance de teatros nacionais ou municipais, conta.
O apoio de estruturas como a Direção-Geral das Artes tem sido fundamental para que o tecido cultural continue vivo. Assim como é essencial o apoio das autarquias e das coproduções. Atualmente, criar um espetáculo de raiz de forma totalmente independente pode custar aos criadores o seu amor à arte.
Uma montanha de licenças
Além da logística da apresentação do espetáculo, há toda uma burocracia que envolve a Sociedade Portuguesa de Autores e a Inspeção-Geral das Atividades Culturais. Desde janeiro deste ano que a licença de representação de um espetáculo não tem custo. Segue-se, todavia, uma montanha de licenças. O registo de nome artístico custa 30 euros. E o de obras literárias e direitos conexos 60 euros. Para ser promotor de espetáculos de natureza artística, 200 euros. E comunicação de funcionamento de recintos de espetáculos de natureza artística custa 40 euros. A passagem de música numa sala de espetáculos tem um custo diário que varia entre os 118 e os 562 euros. Uma vistoria a um recinto de natureza artística com mais de de 1000 lugares vale 750 euros - e caso a sala tenha até 200 lugares são 430 euros. Um pedido de realização ocasional de outras atividades de natureza artística ou outros espetáculos ou divertimentos não artísticos em recinto fixo de espetáculos de natureza artística paga-se a 30 euros. E estes são apenas alguns dos valores envolvidos.