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Covid faz cair mortes por gripe para zero

A próxima época de gripe pode ser mais complicada Natacha Cardoso / Global Imagens

Em 2019/2020 houve 920 óbitos atribuíveis à gripe, revela INSA. Incidência da infeção baixou 99% na Europa. Especialistas alertam para perda de imunidade e maior risco no próximo inverno.

Os cuidados com a pandemia covid-19, com destaque para o uso de máscara, o distanciamento social e a higiene das mãos, reduziram para zero a mortalidade por gripe em 2020/2021. Praticamente não houve casos de síndrome gripal e, no ano anterior, a incidência e o número de mortes por aquela infeção respiratória também foram baixos. Mas "a faca tem dois gumes" e os especialistas alertam que a falta de contacto com os vírus pode levar a uma perda de imunidade. Consequentemente, sobe o risco de a próxima época de gripe ser mais grave.

Na época gripal 2019/2020 registaram-se 920 óbitos atribuíveis à gripe, avançou, ao JN, o Instituto Ricardo Jorge (INSA). O número integra o relatório do Programa Nacional de Vigilância da Gripe, cuja publicação está atrasada. Já entre outubro 2020 e maio de 2021, "não foi observada mortalidade atribuível à gripe, o que está de acordo com a circulação esporádica do vírus da gripe na presente época, que nunca chegou a atingir atividade epidémica", revela o INSA. Nas épocas de 2016/2017, 2017/2018 e 2018/2019, a mortalidade atribuível à gripe foi de 4472, 3700 e 3331 óbitos, respetivamente.

Na Europa, o cenário é idêntico. No final de junho, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) revelou que foram notificados apenas 934 casos na região na última época de gripe, o que representa uma diminuição de 99,4% face ao mesmo período de 2020. O organismo da União Europeia assume que a redução se deve "provavelmente à pandemia covid-19 e às medidas introduzidas para combatê-la".

Uma lição para o ocidente

"Foi efetivamente uma época gripal nula e uma lição para o mundo ocidental, que não tem o hábito do distanciamento físico, do uso de máscara e da higienização das mãos", realça Carlos Robalo Cordeiro, presidente eleito da Sociedade Europeia Respiratória, defendendo o recurso a estas medidas de proteção nos períodos críticos da gripe para doentes infetados e pessoas com fatores de risco importantes.

O também diretor do serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra admite que a próxima época de gripe pode ser mais complicada. Por um lado, "porque houve pouco contacto com o vírus e isso condiciona a imunidade"; e, por outro, porque houve "pouca identificação laboratorial das estirpes em circulação" e as vacinas são feitas com base nas estirpes das épocas anteriores. Carlos Robalo Cordeiro nota que as atuais vacinas cobrem várias estirpes, mas, ainda assim, há risco de algumas não identificadas no último ano ficarem de fora. Apesar disso, defende, é um ano em que devemos promover a vacinação e acautelar a chegada precoce das vacinas.

Uma posição já sublinhada também pelo pneumologista Filipe Froes. O especialista tem vindo a alertar para a necessidade de reforçar a vacinação da gripe porque é provável uma maior e mais intensa atividade gripal no próximo inverno, fruto da reduzida circulação do vírus influenza, que leva a uma menor imunidade e a um maior risco de discordância antigénica das vacinas.

14,9 milhões de euros é o valor total que as administrações regionais de saúde podem gastar na aquisição de vacinas contra a gripe para a época 2021/2022.

65% de adesão à vacina registada na época gripal anterior, um número histórico motivado pelo receio da conjugação da infeção pelo SARS-CoV-2 com o vírus influenza e pelas altas taxas de vacinação entre os profissionais de saúde. A campanha foi faseada e começou pelos lares de idosos, cuidados continuados, profissionais do SNS e grávidas.

Reforço de 170 mil doses de vacinas pode não ser suficiente

Portugal vai gastar quase 15 milhões de euros na aquisição de vacinas contra a gripe, mas o reforço poderá não ser suficiente para proteger a população em caso de atividade gripal elevada. "Mais vacinas é sempre bom, mas não me parece suficiente se queremos ter uma robustez de proteção maior", refere Carlos Robalo Cordeiro, presidente eleito da Sociedade Europeia Respiratória.

No passado dia 7 de junho foi aberto o concurso para aquisição de 2 240 673 doses de vacinas contra a gripe. São mais cerca de 170 mil doses do que em 2020, ano em que a oferta ficou aquém da procura, para desagrado de muitos utentes que, mesmo pertencendo aos grupos de risco, se queixaram durante meses da falta de vacinas. O JN questionou a Direção-Geral da Saúde se sobraram vacinas na última campanha da gripe, mas não obteve resposta em tempo útil.

Além das vacinas do SNS, há um contingente para as farmácias (que no ano passado representou cerca de 500 mil vacinas) que ainda está a ser negociado. Ao JN, a Associação Nacional de Farmácias disse que "está a dialogar com as empresas fornecedoras de vacinas na perspetiva de haver um aumento em relação ao número de doses do ano passado".

Em 2020, numa iniciativa inédita no país e em colaboração com as autarquias, as farmácias administraram vacinas do contingente do SNS, de forma gratuita para o utente. Este ano, "a ANF já manifestou a sua disponibilidade junto do Ministério da Saúde para se associar ao esforço de vacinação com as vacinas do contingente do SNS".

Inês Schreck