Paulo Martins

Mandam os accionistas

"Os sistemas de remunerações podem contribuir para elevar os riscos sistémicos que emanam de um banco". A declaração não foi proferida por um visceral inimigo da alta finança. Foi por Angela Merkel, em vésperas da Cimeira do G 20 de Setembro passado. A chanceler alemã não dizia mais do que outros dirigentes políticos, como Nicolas Sarkozy, tinham dito antes: que na origem da crise financeira, causadora de abalos telúricos na economia real, estiveram as aventuras de executivos gananciosos, que assumiram enormes riscos na mira de prémios chorudos.

Sob pressão da opinião pública, a cimeira dos 20 países mais ricos do Mundo - e antes dela a União Europeia - já tinham revelado as melhores intenções nesta matéria. Que a crise seria aproveitada para mudar de alto a baixo o modelo de regulação do sector financeiro. Que os muros da opacidade seriam derrubados. Que, enfim, era preciso pôr cobro a bónus com muitos zeros à direita, entregando até ao Fundo Monetário Internacional um papel de "polícia".

Nas "revolucionárias" propostas, sound bytes para cidadão ouvir, nem todos acreditaram. Os políticos que traçaram o diagnóstico também conheciam a terapêutica: limitar os bónus acrescentados pelos bancos à remuneração dos seus gestores, que chegam a duplicar o salário. A questão residia em saber se tinham força para impor regras, numa fase em que a prioridade era evitar que os bancos fossem à falência. Percebeu-se logo que não tinham. Por isso a Cimeira do G 20 ficou-se por orientações gerais, a depositar, provavelmente, na gaveta dos pendentes.

Os governos injectaram milhões, em alegado estado de necessidade, para obstar aos tais "riscos sistémicos". A torneira dos capitais públicos, diz-se, tem vindo a devolver saúde à finança. Por notícias recentes se avalia o que significa a expressão. Um gestor bancário norte--americano juntou em pouco tempo - imagina-se com que sacrifício... - o suficiente para comprar um castelo medieval na Alemanha. Alguns bancos britânicos aumentaram em 50% os prémios dos administradores.

Por cá, só para apalpar terreno - coisa do tipo: sugerir não ofende - os reguladores (Banco de Portugal e CMVM) acabam de soltar a notícia de que vão propor ao Governo limites aos prémios de gestão. Enorme atrevimento o deles, a avaliar pelas reacções dos banqueiros! Quase em uníssono, invocaram o mais sagrado dos princípios do mercado: quem manda são os accionistas. Nada de surpreendente. Quando o Estado, bombeiro de serviço, tapou os buracos financeiros da banca, nenhum irredutível liberal se queixou de intromissão no mercado. Agora que o Estado quer introduzir novas regras, aqui- -d'el-rei!, não tem nada de se meter na esfera privada. Até ao próximo "estado de necessidade"...

Redação