Justiça

Burlão manda pôr fogo mas toxicodependente incendeia casa errada 

O incêndio aconteceu no dia 30 de maio de 2017 Igor Martins / Global Imagens

Estão a ser julgados por incêndio, mas, se houvesse crime de incompetência, também responderiam por tal. A história, que parece de ficção, relata a encomenda de um incêndio num prédio, com o objetivo de destruir provas de crimes, mas em que o incendiário contratado se engana e chega o fogo à própria casa. Foi há quatro anos, no Bonfim, Porto.

Pedro Miguel Pereira da Silva, de 27 anos, atualmente a cumprir pena de prisão pelo crime de burla, começou a ser julgado, esta terça-feira, no tribunal S. João Novo, por ter pagado dois euros a um vizinho para incendiar um prédio onde escondia equipamento informático, fruto de burlas. O vizinho, Abílio Rocha, de 59 anos, toxicodependente, também deveria estar no banco dos réus, mas, por culpa própria - deixou de ter morada certa - não foi notificado. Adiante perceberemos porquê.

O Pedro, que indica "pasteleiro" como profissão, mas vivia essencialmente de burlas, através da internet, habitava com a mulher e filho menor no nº. 527, 1º andar, na rua do Bonfim, no Porto. No prédio da frente morava Abílio, que há anos ocupava ali indevidamente um apartamento cuja locatária tinha falecido. Em maio de 2017, percebendo que estava a ser alvo de investigação da PJ pelas burlas que vinha cometendo, Pedro decidiu "apagar" os vestígios mais evidentes dessa atividade. Para tal, com a ajuda do Abílio, tirou de casa e pôs num velho frigorífico, colocado no pátio de um prédio abandonado, mas contíguo ao seu, oito computadores, vários telemóveis e impressoras, alguns tablets e faturas comprometedoras. Tudo fruto dos embustes que vinha cometendo. No dia 29 desse mês, à noite, esteve com o Abílio, num café próximo, e falou-lhe do seu plano, que era destruir pelo fogo o tal frigorífico e o que ele continha. Abílio aceitou e recebeu dois euros! Para a gasolina.

Pouco depois, eram meia-noite e dez minutos do dia 30, Abílio informou-o que o servicinho estava feito. "Já está a arder", disse. Pedro foi à janela e deitou as mãos à cabeça. O que estava a ser consumido pelas chamas era o prédio do outro lado da rua, aquele onde o Abílio morava. "O incompetente", terá pensado Pedro, tinha-se enganado no edifício.

Foi o próprio comanditário do crime quem ligou para os bombeiros, que acorreram rapidamente, impedindo que o incêndio alastrasse a casas vizinhas - vivem ali 14 famílias, algumas em "ilhas". Os soldados da paz impediram uma tragédia que, mesmo assim, atingiu valores significativos. Além de um bombeiro ferido, o prédio destruído estava avaliado em quase 500 mil euros.

Abílio não esteve esta terça-feira no tribunal, porque foi notificado na residência que tinha, ou seja, aquela que deixou de ter porque a tornou inabitável. Por isso, morará numa qualquer rua do Porto, com o céu como teto. Nas alegações, a procuradora pediu ao coletivo de juízes que condenasse os dois pelo crime de incêndio, sem atenuantes. A defensora de Pedro, o comanditário, disse "não, senhor!" porque o projeto do seu cliente - destruir provas - acabaria por não ter êxito e "a prova disso é que foi preso". Já a advogada do "incompetente" Abílio, pediu "justiça", lembrando ao tribunal que não era aquele prédio que o homem, que não estaria em plena posse das suas capacidades mentais queria queimar.

Óscar Queirós