Moradores não dormem durante a semana com música nos espaços. Chamam a Polícia, mas "nada muda".
Bares de porta aberta com música "ensurdecedora" e pessoas a conviverem até às 3 horas na rua durante a semana estão a levar moradores de vários bairros de Lisboa ao desespero. Há zonas residenciais onde estes problemas só surgiram no último ano com a abertura de bares e esplanadas que "acabaram com o sossego".
Os lisboetas queixam-se que, apesar de chamarem a Polícia e de enviarem reclamações à Câmara de Lisboa, "nada muda". Só no último meio ano a Polícia Municipal recebeu 936 queixas. No mesmo período de 2020, registaram-se 1122.
Quando Vera Alves foi viver para a Graça, em 2018, nem sequer havia bares ali. Hoje existem quatro. "Era uma zona sossegada, mas agora são 3 horas e a música está altíssima. Os espaços não estão insonorizados, os donos dos bares estão-se completamente nas tintas para nós. Tenho de pôr tampões para dormir, isto é uma questão de saúde pública", critica. Já perdeu a conta de quantas vezes chamou a Polícia e fez participações à Câmara de Lisboa "em vão". "Ligamos para a Polícia, dizem que vêm e ficamos uma hora à espera. Já disseram que não têm carros disponíveis. Sentimo-nos impotentes", desabafa.
Um pouco por toda a cidade os moradores dizem que a situação se agudizou nos últimos três meses e se tornou mais recorrente durante a semana. "Até fechava os olhos ao barulho ao fim de semana, mas durante a semana acho inadmissível ficarem abertos até às 2 horas quando tenho de acordar às 7", diz Luísa Lima, moradora no Bairro Alto, onde o ruído já é habitual, mas piorou. "Os bares aqui sempre existiram, mas desde que têm mesas cá fora os donos dos espaços põem a música mais alta e mantêm as portas abertas, juntando-se mais pessoas na rua até às tantas", observa.
"Mudam os quartos"
Em Lisboa, foram licenciadas centenas de esplanadas durante a fase mais crítica da pandemia da covid-19. Uma moradora de Alcântara, que preferiu o anonimato, mudou o quarto para as traseiras da casa para suportar o ruído. "Há dias impossíveis, fui vencida pelo cansaço e alterei o quarto", conta. Esta situação é confirmada por Miguel Almeida. "Há um novo bar com ajuntamentos numa zona residencial que excedem largamente a capacidade da esplanada até às 2 horas. Os meus vizinhos estão a mudar a disposição dos quartos porque mesmo com janelas boas não adianta", diz. O espaço chegou a fechar após intervenção da Polícia, mas voltou a abrir em outubro.
No Intendente, uma moradora que também não se quis identificar por já ter feito várias queixas, reclama do mesmo. "Não havia nada e em dois meses apareceu um bar onde chegam a estar 80 pessoas à porta. Há um desrespeito total pelos residentes, é a Lisbolândia", critica, adiantando que pondera vender a casa.
Concertos espontâneos
Ágata Ventura, moradora em Arroios, também tem queixas. "O ruído tornou-se um problema sério e piorou com concertos espontâneos todas as semanas. Nunca sabemos quando vão aparecer, é completamente aleatório". Os moradores querem fazer um abaixo-assinado e pedir uma audiência com o presidente da Câmara de Lisboa ou mesmo com o presidente da República. "Já fizemos tantas queixas e nada muda que sentimos que temos de fazer mais", explica Luísa Lima.
Luísa Lima, moradora no Bairro Alto
Vera Alves, moradora na Graça
Miguel Almeida, morador em Alcântara
Câmara admite limitar horários
A Polícia Municipal registou 936 queixas relacionadas com ruído proveniente dos estabelecimentos desde junho em todas as freguesias de Lisboa. Só nos últimos três meses a Polícia fez 314 fiscalizações relacionadas com ruído e a Câmara de Lisboa abriu 82 processos relativos a reclamações sobre atividades ruidosas em estabelecimentos. A Autarquia garante que tem fiscalizado os estabelecimentos que foram alvo de reclamação e que solicitou aos bares, antes da sua abertura, "a ligação dos limitadores de ruído em todos os estabelecimentos inventariados na Câmara Municipal". "Atualmente existem 305 limitadores de som selados e 16 a aguardar selagem", avança. Se os problemas persistirem, o Município admite propor às juntas de freguesia a "limitação de horário das esplanadas" e contraordenações aos estabelecimentos.