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Ordem avalia conduta do pediatra que pediu suspensão das vacinas

Posições públicas do presidente do colégio de Pediatria podem ter contribuido para hesitação vacinal nas crianças, referem médicos que contestam conduta de Jorge Amil Dias Artur Machado / Global Imagens

Dezasseis médicos pediram ao Conselho Disciplinar que avalie se o presidente do Colégio de Pediatria, que tem apelado à suspensão da vacinação das crianças, violou o código deontológico da Ordem dos Médicos. Bastonário vai convocar Conselho Nacional Executivo e a destituição da direção do colégio está em cima da mesa. Jorge Amil Dias garante que nunca falou em nome da Ordem.

Na carta, enviada ontem para o Conselho Disciplinar do Sul da Ordem dos Médicos, os médicos pedem a avaliação da conduta "por eventual infração disciplinar", em particular dos artigos do código deontológico referentes à proteção individual e da saúde pública de Jorge Amil Dias, presidente do colégio de especialidade de Pediatra.

Em causa está uma entrevista à "SIC Notícias" em que "questionou a competência profissional de colegas, pares médicos pediatras do Hospital Dona Estefânia" a propósito da casuística e seguimento de doentes internados com covid-19, e "fez comentários não fundamentados e que questionam a metodologia dos estudos da agência norte-americana para a proteção da saúde", nomeadamente o Centers for Disease Control and Prevention (CDC).

Na carta, a que o "Jornal de Notícias" teve acesso, os subscritores contestam também a apelo reiterado, em duas cartas abertas divulgadas no final de janeiro e início deste mês, à suspensão da vacinação de crianças e jovens.

Os signatários entendem que as afirmações de Jorge Amil Dias, contrárias às posições públicas da Ordem dos Médicos, descredibilizam a Ordem, o bastonário e o Gabinete de Crise contra a Covid-19, "podem ter prejudicado a intervenção da Ordem dos Médicos na salvaguarda da promoção da saúde e da prevenção da doença" e "promoveram a hesitação vacinal, intranquilidade e perda de confiança no processo da vacinação em geral".

Filipe Froes, coordenador do Gabinete de Crise para a Covid-19 é o primeiro subscritor da carta, que é também assinada por António Sarmento, diretor do serviço de infeciologia do Hospital de S. João, onde está internada uma criança de um ano ligada à ECMO, Fátima Pinto, especialista em cardiologia pediátrica do Hospital de Santa Marta, Caldas Afonso, diretor do Centro Materno-Infantil do Norte, entre outros.

À exceção de um médico, todos os membros do gabinete de crise da OM e mais cinco pediatras assinaram a carta enviada ao Conselho Disciplinar do Sul, que é presidido por Maria do Céu Machado.

Ao JN, Filipe Froes confirmou a entrega da carta, mas recusou pronunciar-se sobre o tema, referindo tratar-se de um assunto interno da Ordem dos Médicos.

Bastonário convoca reunião para analisar caso

O bastonário da Ordem dos Médicos não assina a carta e garantiu ao JN nada ter a ver com o pedido que seguiu para o Conselho Disciplinar. Mas admitiu que vai convocar uma reunião do Conselho Nacional Executivo, "provavelmente para a próxima semana, para analisar a posição do presidente do Colégio de Pediatria".

"Será o Conselho Nacional a decidir o que fazer", referiu Miguel Guimarães. O Conselho Nacional Executivo, ao qual preside, é composto por dois membros de cada Conselho Regional (Norte, Centro e Sul) e por duas pessoas propostas pelo bastonário e eleitas em Assembleia de Representantes. Tem competências para destituir a direção de um colégio e essa é uma possibilidade que o bastonário não descarta.

As posições assumidas por Jorge Amil Dias vinham causando desconforto na Ordem dos Médicos, mas o mal-estar acentuou-se este fim de semana quando Luís Marques Mendes afirmou, no seu habitual comentário televisivo, que a Ordem não pode falar a duas vozes.

"A Ordem dos Médicos só fala a uma voz, isso é garantido", reagiu Miguel Guimarães, assegurando que a única pessoa que representa legalmente a Ordem é o bastonário.

Contactado pelo JN, o pediatra Jorge Amil Dias não quis pronunciar-se sobre a carta nem sobre a convocatória do Conselho Nacional Executivo. Apenas lamentou que o processo tenha saltado para a imprensa antes de haver uma decisão e garantiu que nunca falou em nome da Ordem dos Médicos. "Se alguns colegas perceberam mal a situação, isto será esclarecido onde for preciso".

Inês Schreck