Peço ajuda ao Carlos Tê neste lamento: Portugal é um país onde seis em cada 10 pessoas não leem livros.
Ai senhor das furnas que escuro vai dentro de nós? Rezar o terço ao fim da tarde, só para espantar a solidão? Rogar a deus que nos guarde, confiar-lhe o destino na mão?
Encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, o inquérito às "Práticas Culturais dos Portugueses 2020" indica índices de leitura quase medievais, mostrando um Portugal de baixa escolaridade onde mais de 60% dos portugueses não pegaram num livro em 2020.
Que adianta saber as marés, os frutos e as sementeiras? Tratar por tu os ofícios, entender o suão e os animais? Falar o dialeto da terra, conhecer-lhe o corpo pelos sinais? E do resto entender mal, soletrar, assinar em cruz, não ver os vultos furtivos que nos tramam por trás da luz.
Outro dado surpreendente são os motivos invocados. "Significativas" desigualdades sociais no acesso à cultura, baixos níveis de escolaridade e escassos recursos económicos. Mas serão mesmo esses os principais fatores de exclusão nos hábitos de consumo cultural?
Ai senhor das furnas, que escuro vai dentro de nós! A gente morre logo ao nascer, com olhos rasos de lezíria; de boca em boca passar o saber, com os provérbios que ficam na gíria
Mas o universo que lê - esses 39% - constitui-se maioritariamente por pequenos leitores (27%, que leram entre um e cinco livros), seguidos de médios (7%, que leram entre seis e 20 livros) e "grandes" leitores (apenas 1% leu mais do que 20 livros num ano).
De que nos vale esta pureza, sem ler fica-se pederneira (...) carregando a superstição de ser pequeno, ser ninguém, e não quebrar a tradição, que dos nossos avós já vem.
*Especialista em Media Intelligence