A definição da estratégia nacional para a Educação para a Cidadania é uma prerrogativa legislativa e do poder político e a Justiça não pode imiscuir-se "no exercício da função política". Esta é posição do Estado português, em resposta ao processo judicial da Sal - Associação de Defesa da Liberdade, que pede o fim dos conteúdos referentes à "chamada perspetiva, teoria ou ideologia de género" das aulas de Cidadania.
A associação, com sede em Lisboa, interpôs uma providência cautelar e uma ação popular, a que já se juntaram 1100 pessoas. Além da retirada dos conteúdos letivos relacionados com a identidade de género das escolas públicas, pede ao Tribunal que o Estado seja condenado a suspender, "de imediato, a disponibilização dos materiais de referência e recursos" alusivos ao tema.
O Ministério da Educação e a Secretaria Geral de Educação e Ciência (SGEC) já responderam ao Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa e as partes aguardam, agora, por decisão do juíz.
Além da defesa da autonomia dos poderes políticos e judiciais, o Ministério da Educação e a SGEC evocam a "impossibilidade" de alterar o conteúdo da disciplina bem como a recolha dos manuais usados nas escolas.
E lembram que o Governo "reconhece a igualdade e a não discriminação como condição para a construção de um futuro sustentável" e que as decisões tomadas pelo ministério sobre a disciplina e o seu conteúdo são atos praticados "no exercício da função política".
"A Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania não é, pois, suscetível de impugnação judicial, nem dela decorre a possibilidade de ser judicialmente declarada suspensa, improcedendo toda a argumentação aduzida" pela Sal.
Já a associação Sal argumenta que os alunos estão a ser sujeitos a materiais educativos de "viés ideológico".
"Analisámos os guiões da disciplina e verificámos que são uma forma ideológica de programar a educação", disse, ao JN, José Diogo Marques, da Sal, considerando que os restantes conteúdos da Educação para a Cidadania deveriam fazer parte do currículo geral e, assim, a disciplina autónoma deixaria de existir.
Separação de poderes
Na resposta ao Tribunal, o Estado português sublinha que "não cabe aos tribunais, no respeito pelo princípio da separação de poderes, imiscuir-se na atividade do poder político/legislativo, declarando a respetiva ilegalidade e suspensão" dos conteúdos da disciplina de Cidadania.
Lições de Marcelo
O Governo recorre às "Lições de Direito Administrativo" de Marcelo Rebelo de Sousa para justificar a legalidade das decisões políticas. "A essência do político reside na realização de escolhas em que se encontram em causa interesses essenciais do Estado-coletividade, que cabem na função política".