Cultura

Rui Veloso: "Porto deixou de ser farol cultural"

Nasceu em Lisboa e há mais de 30 anos que se encontra "exilado", no seu refúgio em Vale de Lobos, Sintra. Mas, apesar do "chamamento para sul", nas suas próprias palavras, Rui Veloso será sempre um verdadeiro homem do Norte.

Um portuense de gema, lá dos lados de Lordelo do Ouro, que anda todos os dias "a cravar a lança em África". No dia em que celebrava os seus 30 anos de carreira, há uma semana, com um concerto em Famalicão, o músico passou primeiro pelo "Jornal de Notícias", para um almoço temperado com uma conversa sobre a cultura, a música, o Porto e, até, a política.

Mal entrou na sala do 14.º andar, Rui Veloso dirigiu-se às janelas e tirou a máquina fotográfica do bolso para registar aquela vista privilegiada sobre a Invicta, a cidade que o viu crescer e que ele tão bem cantou em "Porto sentido". Todavia, o Porto que em tempos foi "o farol cultural do Norte", na sua opinião, "perdeu, dramaticamente, o comboio da cultura" e o pior é que "vai custar muito para recuperar esse estatuto". Criticando os "tiques de novo-riquismo duma cidade que sempre foi burguesa", diz que "cultura não são seis bares na Baixa e uma Casa da Música inconsequente que custou 20 milhões de contos".

Ribeira foi abandonada

Também o velho casario junto ao rio Douro perdeu algum do encanto que outrora teve. "A Ribeira é um sítio único no Mundo, mas foi abandonada. Não há regras. Está tudo sujo e é só cadeiras e guarda-sóis", afirma, com desagrado. "Quase que tenho vergonha de levar amigos ao meu restaurante", desabafa. E, para Rui Veloso, Rui Rio é um dos culpados. "O problema é que temos um presidente da Câmara que não anda na rua. Se andasse, não deixava aquilo como está. E começou logo muito mal quando confundiu as coisas e afrontou o Futebol Clube do Porto que é um dos ex-libris da cidade".

Apesar das críticas, os dois Ruis andam de mãos dadas quanto à regionalização. Há 12 anos, ambos se opuseram. Hoje, Rio já não é contra, mas ainda hesita um pouco em apoiá-la. Já Veloso passou a defendê-la convictamente. "Como as coisas estão, não se resolve nada. É preciso arranjar uma alternativa". E o músico conhece de perto o centralismo. "Estou há 30 anos em Lisboa e não tenho a menor dúvida de que ela quer sempre tudo para si. Há 30 anos que espero que Lisboa descentralize, mas é mentira."

Sobre o primeiro-ministro, José Sócrates, acredita que "ele pode ter muitos defeitos, mas dá um exemplo positivo ao país em termos de trabalho". A candidatura de Manuel Alegre à Presidência da República deixou-o algo dividido. "Gosto muito dele, mas não percebo muito bem para onde vai. Acho que um artista - e ele é poeta - deve estar fora da política para poder dizer mal quando tem de dizer mal. Um artista não deve ser ministro ou presidente".

Rui Veloso foi um dos principais defensores da imposição de quotas de músicas nacionais nas rádios, mas admite, com alguma amargura, que os resultados foram "perto de zero". "Em geral, temos músicas muito melhores do que Espanha, mas, lá, eles promovem a sua música". E inquieta-o mais ainda a falta de atenção dada ao assunto. "Não percebo como é que ninguém se preocupa por não dar música portuguesa na rádio, até porque isto tem a ver directamente com a nossa língua".

Ironicamente, Rui Veloso e o seu primeiro e principal cúmplice, Carlos Tê - "que escreve letras como ninguém" -, até começaram a compor em Inglês. "Na altura, cantar em Português era foleiro", recorda, com um sorriso. Mas muito passou desde então e, agora, luta pela preservação da música portuguesa e em Português.

Aproveitando o aparecimento das novas tecnologias, tentou pôr de pé uma plataforma digital que colocasse num "site" músicas portuguesas, quase impossíveis de encontrar, para fazer "download" a preços baratos. Mas ninguém se interessou. Em 2005, fundou a sua própria editora, a Maria Records, e sentiu outra vez na pele o desinteresse pela música portuguesa. "Ninguém nos apoiou. Eu diria até que nos boicotaram".

No Verão do ano passado, quando planeava uma série de espectáculos de blues para celebrar os 25 anos do célebre concerto no Cascais Jazz - tão célebre que, na altura, o técnico do PA vendeu uma gravação áudio ilegal por 500 escudos (2.50 euros) -, foi operado de urgência por causa de divertículos nos intestinos. Teve de passar uma temporada preso à cama e compunha deitado, com a guitarra pousada no peito, enquanto gravava no iPhone, "a melhor coisinha dos últimos tempos".

Actualmente, está numa fase rockeira. Ouve Allman Brothers, Led Zeppelin ou Jimi Hendrix. Vai remisturar o "Auto da Pimenta". E um novo álbum deverá aparecer em breve. Porém, ainda não será desta que sairá um disco de blues. "Não está nos meus planos lançar um disco em Inglês e o blues só funciona em Inglês".