Aos 19 anos, Francisca Nazareth já ganhou dois campeonatos nacionais pelo Benfica e espera viver uma experiência no estrangeiro. A única futebolista agenciada por Jorge Mendes estuda gestão e assume a pele de jogadora do futebol de rua, onde recolheu toda a imprevisibilidade.
Como surgiu a paixão pelo futebol?
De forma natural. Desde a barriga da minha mãe que tenho essa paixão. Há um parque, atrás de minha casa, onde joguei sozinha, por vezes com o meu pai, amigos e desconhecidos. Na escola tinha um grupo de quatro amigos e foi com eles que comecei a dar os primeiros passos. Enquanto a minha irmã brincava com bonecas, eu tinha esta paixão.
Que histórias recorda?
Jogava futsal, num esquema misto, embora fosse a única menina, e sei que foi a melhor coisa que fiz. Participávamos em torneios e havia sempre o prémio de melhor jogador e marcador. Costumava ganhar o de melhor jogador. No jogo não facilitavam e sempre escutei as outras equipas a dizer "dá pau na miúda". Ainda hoje acho que os homens ficam chateados quando perdem com as meninas.
Mas foi aquele contexto que lhe deu um "apelido"?
Gosto que reconheçam que tenho futebol de rua. O jogo tem uma estratégia, regras e um treinador. Mas prefiro fugir um pouco à regra e jogar contra a parede, fintar as pedras, as pessoas e meter-me com elas... Isso deu-me imprevisibilidade. Ouço treinadores dizer não faças isso, mas às vezes tiro um coelho da cartola.
Tem algum traço próprio?
Não tenho nenhuma finta, mas há tempos fiz dois golos a fazer uma roleta. E ouvi vários comentários a dizer que a roleta devia passar a chamar-se "Kika". Até a compararam a Zidane.
Gostava de jogar no estrangeiro?
Sempre vi no futebol uma vertente divertida. Só que as coisas chegaram a um ponto que passou a ser a prioridade. O Benfica é o clube do meu coração e comecei e acabarei aqui, mas gostava de ter uma experiência no estrangeiro.
E de jogar com 60 mil na Luz?
Sim e é possível. O Barcelona já jogou com 90 mil. Não é só um sonho, está a acontecer. Vou jogar num estádio cheio nem que seja daqui a dez anos.
E o que falta para o futebol feminino evoluir?
Estrutura, comunicação e marketing. Mas há um trabalho forte. O futebol masculino, não há volta a dar, é mais rápido e mais forte porque são homens. Mas em termos técnicos, posso ser melhor que eles. Ainda estamos numa fase de transição e passei de pagar para jogar para receber.
Revê-se em alguma jogadora?
Tenho o privilégio de partilhar o campo e a vida com a Andreia Norton, do Sp. Braga, pois já fomos passar férias juntas. As pessoas não têm noção do que ela faz.
E no masculino? ...
Ronaldo é um fenómeno, mas gosto muito de Messi, um génio. Apanhei coisas de Neymar e Ronaldinho. No Benfica era obcecada pelo Aimar.
Estuda gestão. Pensa seguir essa profissão?
Não sei. Quero ter uma família, ser mãe de cinco filhos. ...O futebol acaba aos 35 anos e mesmo que receba um balúrdio não vou estar até os 80 anos sem fazer nada. Quero ter objetivos. Estou sempre a dizer que vou trabalhar no Benfica ou na Federação. Treinadora não, mas talvez aproveitar o curso para uma ligação ao jogo.
Uma jogadora do topo já vive do futebol? ...
Há jogadoras do Lyon, Barcelona ou do Wolfsburg que vivem do futebol. Temos de dar o salto. Cá já é público que quem recebe mais no Benfica aufere cerca de cinco a seis mil euros.
Como é ser agenciada por Jorge Mendes ?
Tenho de me sentir orgulhosa e privilegiada por ser a única jogadora representada por ele. Se quero estar no topo tenho de ter a ajuda dos melhores agentes, clubes e treinadores. É um privilégio estar com o melhor do Mundo.
Já é reconhecida na rua?
Sim. Gosto de ser reconhecida. No outro dia houve um menino que chegou ao pé de mim e disse-me "tu és o meu ídolo". Mas também tem o lado mau. A minha irmã e os amigos vão sair e têm a fase da adolescência que nós não temos. E se algum dia quiser ir dar uns passinhos de dança, as pessoas reconhecem-me.
E os seus pais aprovam a sua carreira?
Sim. E às vezes sinto que podem sentir isto mais do que eu. Por vezes apetece-me dar uma volta depois de jantar com uma amiga e dizem "mas tens treino amanhã e tens de dormir cedo". Eu quero isto mais que os meus pais e tenho cabeça para pensar no que é melhor para mim. Às vezes preciso de lhes dizer que sei o que estou a fazer.