Dois sacerdotes e um teólogo afastam renúncia. Cardeal Maradiaga refere que rumores são "telenovela barata".
Um conjunto de indícios tem alimentado os rumores de que o chefe da Igreja Católica poderá renunciar ao cargo brevemente, seguindo as pisadas do seu antecessor, Bento XVI. Os problemas motores, a visita à cidade de L"Aquila, e a nomeação de cardeais, deixaram os católicos em alvoroço, mas o pontífice ainda não estará preparado para colocar um ponto final no compromisso que assumiu há nove anos.
"Penso que é precipitado falar em resignação. O Papa não irá fazer o mesmo que Bento XVI", ressalva o padre Manuel Vilas Boas, frisando que o líder do Vaticano ainda está bastante lúcido "apesar das dificuldades motoras", que muito se devem a problemas no joelho.
O recente anúncio de um consistório no dia 27 de agosto, altura em que o Vaticano costuma estar de férias, com o objetivo de nomear 21 novos cardeais, aumentou os murmúrios, uma vez que 16 dos 21 novos cardeais têm menos de 80 anos, sendo elegíveis para votar num possível Conclave. No entanto, Abel Canavarro, professor de Teologia da Universidade Católica do Porto (UCP), desvaloriza a reunião, lembrando que "a renovação do Colégio de Cardeais era urgente há muito tempo".
O teólogo desconsidera ainda o facto de Francisco ir a L"Aquila um dia após o consistório, onde marcará presença numa celebração iniciada pelo Papa Celestino V, o primeiro pontífice a resignar, sublinhando que "esta viagem foi programada com antecedência".
Embora considere que a missão do chefe da Igreja Católica ainda esteja longe do fim, o docente da UCP admite que "se o Papa Bento XVI já tivesse morrido seria mais fácil de tomar a decisão. Talvez Francisco não demorasse tanto a sair de cena". A opinião é partilhada pelo padre Anselmo Borges, salientando que "enquanto o seu antecessor viver, dificilmente o Papa irá renunciar", lembrando que "há a necessidade de criar reformas sobre o papel de um pontífice aposentado".
Para o padre da Sociedade Missionária Portuguesa, se a decisão de resignar fosse tomada agora, o legado do Papa já tinha deixado um marco "histórico", fazendo referência à nova Constituição da Igreja Católica, que entrou em vigor este mês.
"Depois de o Papa colocar em prática a nova lei fundamental da Igreja penso que não seria de bom tom começar a reforma e não a levar a termo", ressalva Abel Canavarro, lembrando que o documento instaurou mudanças importantes no funcionamento da Cúria Romana, ao admitir mulheres na administração do Vaticano.
Decisão "corajosa"
Manuel Vilas Boas partilha da mesma opinião, reforçando que Francisco abriu um caminho essencial e "quer um sucessor que dê continuidade ao seu trabalho", sobretudo numa altura em que "a Igreja precisa de se atualizar".
Com a circulação dos rumores a crescer, nomeadamente pelo facto de o Papa ter vindo a recorrer frequentemente ao uso de cadeira de rodas para se deslocar, o Vaticano também se apressou em desmentir o que considera ser uma "telenovela barata". O cardeal Óscar Maradiaga referiu que "as notícias que sugerem que o declínio físico de Francisco levará a um Conclave são falsas", tendo origem nos EUA, onde o Papa enfrenta "forte oposição".
Maradiaga assegurou que "o Papa nunca pensou em renunciar", porém, no início do percurso enquanto líder dos católicos, Francisco admitiu que gostaria de ver a renúncia tornar-se normal e, em 2015, revelou ter a sensação de que seu pontificado seria breve, descrevendo a decisão de Bento XVI como "corajosa". O Para Emérito tinha 85 anos quando decidiu retirar-se, a mesma idade que Francisco tem atualmente.
Presença na Jornada Mundial da Juventude ainda não é certa
Apesar de Francisco ainda se mostrar capaz de cumprir funções como chefe da Igreja Católica, as dificuldades motoras não lhe permitem deslocar-se facilmente, inibindo o Papa de fazer grandes viagens ou marcar presença em eventos fora do Vaticano.
A viagem do pontífice a África, prevista para o próximo mês, foi cancelada anteontem devido a dores no joelho. Segundo o Vaticano, a deslocação vai ser remarcada, mas a data ainda não é conhecida, pois deverá depender do estado de saúde futuro do Papa.
Este tipo de imprevistos levanta questões sobre a presença de Francisco na Jornada Mundial da Juventude, que se realiza em Lisboa no próximo ano. O padre Manuel Vilas Boas disse acreditar que o "Papa não vai estar presente no evento", mas Anselmo Borges ainda tem esperança que Francisco visite a capital lisboeta. Para já, para o final de julho está também prevista uma viagem do líder da Igreja Católica ao Canadá, entre 24 e 30 de julho, sendo que esta também ainda não está confirmada.
Marcos do pontificado
Pedofilia
Um dos assuntos que manchou a imagem da Igreja durante o pontificado de Francisco foi a denúncia de pedofilia. Após a publicação de um relatório sobre 330 mil casos de abusos sexuais por parte do clero francês, Francisco expressou "vergonha".
Homossexualidade
Pela primeira vez, um Papa lançou um apelo aos pais de jovens homossexuais, pedindo que os apoiassem, ao invés de fazerem condenações.