Capicua

Rosalía

No Instagram, mil fotografias e vídeos do concerto da Rosalía em Lisboa. Relatos entusiasmados, boas críticas e ecos de uma ótima noite. Nada mais distante da minha experiência, dois dias antes, em Braga. Fiquei na dúvida. Terá sido mesmo assim e bastou mudar de sala para melhorar muito a qualidade do espetáculo? Terei sido só eu a desgostar e há uma espécie de desencontro entre este tipo de concerto e as minhas expectativas? Ou é simplesmente a ilusão de perfeição que se projeta nas redes sociais e estas pessoas sentiram o mesmo que eu?

A qualidade vocal de Rosalía é conhecida e a sua performance foi irrepreensível. Entregou mestria, emoção, energia e dança. Tocou os hits e outros temas mais antigos. Interagiu com o público sempre com disponibilidade, espontaneidade e simpatia. Lembrou a primeira vez que esteve em Braga, para um concerto no Theatro Circo, com o seu primeiro disco e agradeceu pelo acolhimento de então. Recordou o tempo em que cantava em restaurantes e cantarolou um fado da Carminho que interpretava sempre, mostrando uma pronúncia impecável em português. Ou seja, decididamente o problema não foi a "estrela".

Já a sala, mais adequada para eventos desportivos, prejudicou muitíssimo a experiência. Antes de mais, porque a visibilidade para o palco (e mesmo para os ecrãs) era fraquíssima. Só sendo benévola para quem ficou mesmo à frente ou nas bancadas. Os restantes milhares pagaram um bilhete bem caro para não ver. E o som conseguiu ser pior, não só pelo eco fortíssimo de que este tipo de pavilhões padece, mas também porque o sistema de som não era suficiente para o espaço e o volume estava demasiado baixo. Ouviam-se mais as conversas em redor do que a música e era muito difícil manter uma conexão com o que se passava no palco no meio daquele vozerio caótico.

Se pensarmos que este era um espetáculo em que a cenografia, os ecrãs, as coreografias e os figurinos eram de grande importância, não conseguir ver já diz muito sobre a experiência. E se acrescentarmos que se trata de um concerto de música eletrónica (que tem de ter impacto físico, nas batidas e nos graves) de uma cantora que tem uma voz acima da média, não sentir o poder da música e da performance vocal mata qualquer possibilidade de fruição.

Confesso que esta tendência para dar concertos sem músicos em palco, em que os instrumentos entram apenas aqui e ali para momentos de exibição pontual (mais performativa do que musical), não me seduz. Confesso que prefiro o formato do concerto anterior de Rosalía e que esta sua versão de estrela pop mainstream, cada vez mais longe da sua relação com o flamenco, não me é tão interessante. Mas tenho mesmo pena de que, por causa de questões logísticas, não tenha tido a oportunidade de receber tudo o que ela entregou no palco e que, nesta trend de transformar os concertos cada vez mais em espetáculos multimédia, muito visuais e coreografados, seja cada vez mais comum esquecer o fundamental: o som.

*Música

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