Um consórcio de investigadores suecos e suíços, que durante mais de uma década recolheu e analisou água da chuva, anunciou recentemente que esta já não é potável em nenhuma região do globo. A presença dos chamados "químicos eternos" é uma constante, até mesmo na Antártica ou no planalto tibetano.
Um grupo de investigadores italianos detetou pela primeira vez a presença de microplásticos no leite materno, mais precisamente em dois terços da amostra, composta por mães saudáveis, na primeira semana de aleitamento. Anteriormente, outros cientistas tinham alertado já para a presença de partículas de plástico na corrente sanguínea e na placenta de mulheres grávidas, alertando para os perigos da toxicidade na gestação e dos plásticos enquanto fortes disruptores endócrinos.
Parece-me óbvio que os impactos do nosso insustentável modelo de desenvolvimento estão a chegar às mais sagradas fontes de alimento. A chuva que nos rega as colheitas e renova as linhas de água, a placenta que nos alimenta os filhos no ventre e o leite com que os nutrimos nos primeiros meses de vida, sucedem os solos, o ar, as águas, a fauna e a flora, na longa lista de elementos que já davam óbvios sinais de contaminação em muitas partes do planeta.
Parece óbvio também que as bombas-relógio que esperávamos que estourassem apenas no futuro, noutros continentes e até junto de outras espécies, já estão a explodir dentro dos nossos corpos. A concentração de metais pesados, a presença de microplásticos, os químicos que absorvemos da água, dos agrotóxicos presentes nos alimentos, nos cosméticos e no ar que respiramos, começam a provocar doenças autoimunes, desequilíbrios metabólicos, problemas oncológicos, desde a primeira infância. Isso é cada vez mais claro estatisticamente e o consenso científico parece apontar para causas ambientais, na tentativa de explicar o grande aumento dos tais disruptores endócrinos, esses imprevisíveis agentes de desestabilização do organismo, com infinitas consequências nefastas para o nosso bem-estar e longevidade.
É muito irónico pensar que por muito que historicamente nos tenhamos posto acima dos outros animais, por muito que tenhamos tentado, na nossa soberba, domar o mundo vegetal para nosso usufruto, sugado água, minérios e fósseis para nosso enriquecimento, e que tenhamos a ilusão que é possível dominar os elementos naturais e sua fúria, não somos mais fortes que os corais, que as florestas ou glaciares. E o nosso dano, o nosso descaso, o nosso envenenamento é, antes de tudo, completamente suicida e há uma bomba-relógio a fazer tiquetaque dentro do nosso umbigo.
*Música