Cultura

Um ensaio sobre a natureza humana

Hirokazu Koreeda é um dos realizadores nipónicos de maior prestígio das últimas décadas Direitos reservados

O japonês Hirokazu Koreeda está de volta com "Broker - Intermediários", filme dominado pela temática da adoção.

Aos 60 anos, Hirokazu Koreeda é um dos realizadores nipónicos de maior prestígio das últimas décadas, um dos muitos que continuam a tradição de uma das mais riquíssimas filmografias do mundo, origem de mestres como Ozu, Mizoguchi, Kurosawa, Naruse e tantos, tantos outros.

O prestígio de Koreeda pode medir-se pela sua presença regular nos grandes circuitos internacionais, nomeadamente Veneza, San Sebastian e Cannes. Na Croisette, onde já participou com oito filmes, venceu em 2018 o mais desejado dos prémios, a Palma de Ouro, com "Shoplifters: Uma Família de Pequenos Ladrões".

Koreeda voltou a Cannes no ano passado, com "Broker - Intermediários" e voltou a não sair da Croisette de mãos a abanar. O filme venceu o prémio do Júri Ecuménico e valeu a um dos seus protagonistas, o sul-coreano Song Kang-ho, que conhecemos por exemplo de "Parasitas", um inesperado mas plausível prémio de Melhor Ator.

Mais importante, o realizador japonês mostra-se uma vez mais fiel ao seu universo de personagens desprotegidas pela vida, que povoam uma boa parte dos seus filmes, como o já citado "Shoplifters" ou outros títulos memoráveis como "Ninguém Sabe" ou "Boneca Insuflável".

Desta vez, o tema central, que confere ao filme uma poderosa base dramática, é a adoção, uma problemática universal, mas a que o relato nos oferece uma perspetiva local, "desviada" desta vez dos ambientes usuais do realizador, que filmou esta história na Coreia do Sul.

No filme, uma associação coloca à porta de igrejas uma caixa, tipo multibanco, onde mulheres que tenham dado à luz bebés indesejáveis os podem deixar. É isso que faz a protagonista que, no entanto, se arrepende, acompanhando depois o processo de venda ilegal do bebé a pais que desejem adotar fora do circuito oficial. Um périplo por vários locais da Coreia do Sul, acompanhada por dois homens que roubam bebés e vigiado à distância por uma equipa da Polícia....

Desta forma, todas as forças vitais do fenómeno de adoção - sem esquecer a presença ainda inocente dos próprios bebés - são colocados em cena pelo guião original do próprio Koreeda, que uma vez mais nos toca a todos com este singelo ensaio sobre a natureza humana.

João Antunes