Justiça

Nove militares da GNR julgados por sequestrar e torturar suspeito em Gaia

Caso aconteceu em 2019, no posto da GNR dos Carvalhos, em Vila Nova de Gaia Arquivo

Nove militares, um já reformado, vão ser julgados por, alegadamente, terem sequestrado e torturado um homem ao longo de nove horas no posto da GNR dos Carvalhos, Vila Nova de Gaia, em 2019. O Juízo de Instrução Criminal do Porto (JIC) havia decidido não pronunciar os arguidos, mas, após recurso do Ministério Público (MP), o Tribunal da Relação do Porto considerou haver indícios suficientes para condenação em julgamento.

O caso ocorreu a 25 de agosto de 2019. Segundo a acusação, havia suspeitas de que um homem teria furtado o automóvel de um militar já reformado. Com o objetivo de que este confessasse onde estava a carrinha, quatro elementos da GNR, estes no ativo, foram buscá-lo a casa da avó e levaram-no para o posto.

Durante nove horas, "os nove arguidos cometeram agressões físicas continuadas e intimidaram psicologicamente o ofendido, sem que, pelo local onde as agressões foram executadas, pelo número de horas pelas quais se prolongaram e pelo número de arguidos que o atingiram, este tivesse possibilidade de defesa", alegava a acusação, de 1 de junho de 2021.

O MP imputava aos militares um crime de tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos e um crime de sequestro agravado. Os arguidos requereram a instrução, garantindo que não tinham agredido ninguém. Explicaram que, ao ser abordado, o suspeito confessara o furto e fora levado ao posto para ser constituído arguido.

A decisão instrutória reconhecia que "é lícito afirmar que o ofendido foi agredido e retido contra sua vontade por militares". Porém, como não conseguira identificar os agressores e apresentara testemunhos contraditórios, o JIC considerou ser mais provável a sua absolvição do que a condenação. E optou pela não pronúncia dos arguidos.

O MP recorreu frisando que, se dera como indiciado que o ofendido tinha sido levado contra sua vontade para o posto, onde ficou cerca de nove horas, e que fora agredido por militares no ativo e um na reforma, o JIC não podia deixar de levar os arguidos a julgamento.

Há indícios suficientes

Os juízes da Relação decidiram que "os autos contêm indícios suficientes da prática dos crimes que vinham imputados aos arguidos e pelos quais devem ser pronunciados", explica o acórdão. Mesmo que fosse para identificar o suspeito, a deslocação à sua casa e posterior condução ao posto onde ficou mais de seis horas, "é ilegal", concluem os desembargadores.

O acórdão considera mesmo que o ato, "sem qualquer fundamento legal", constitui "um grave abuso de autoridade". Por ação ou omissão - quem estava no posto tinha o dever de intervir - os acusados cometeram o crime de sequestro, aponta.

Quanto à autoria das agressões, o acórdão constata que há indícios que apontam para três militares. Os restantes, se não foram autores, tinham a obrigação de cessar com essa conduta. Não o fazendo, praticaram o crime por omissão.

O acórdão, de 21 de dezembro, conclui que há elementos para provar as condutas atribuídas aos arguidos e que estão verificados os pressupostos de que depende a aplicação de pena. Assim, a Relação determinou que o JIC deve alterar a sua decisão e mandar julgar os arguidos pelos crimes de sequestro agravado e de tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos nos exatos termos da acusação.

Fechado em sala escura

No posto da GNR, o ofendido foi colocado numa sala de reduzidas dimensões, sem nenhum local onde se sentar. A única luz vinha da frincha da porta.

Agredido e insultado

Conta o suspeito que foi insultado e agredido com estalos, socos e pontapés e ainda foi alvo de pancadas com bastões e com um tipo de mangueira de borracha.

12 dias de incapacidade

A vítima sofreu lesões por todo o corpo tendo ficado com 12 dias de incapacidade.

Tiago Rodrigues Alves