João Gonçalves

Portugal e a Igreja da fé (3)

Na obra póstuma "O que é o cristianismo", a recolha de textos escritos enquanto Papa emérito, Bento XVI, num capítulo intitulado "temas de teologia moral", reflecte sobre "A Igreja e o escândalo dos abusos sexuais".

A "tese" fundamental parece-me consistir em ter a chamada "teologia moral" abandonado, desde os anos 60, e através de uma deriva relativista, a devida interpretação do Concílio Vaticano II. Como se, de lá para cá, a fé deixasse de estar sob tutela jurídica da mesma maneira que estarão, por exemplo, os abusadores ordenados. É a tutela jurídica da fé que permitiu à Congregação para a Doutrina da Fé, desde o pontificado de São João Paulo II, a aplicação da "pena máxima" contra os "delitos maiores contra a fé", a devolução ao estado de laicidade. Isto é, o Direito, por si só, era, e é, insuficiente e muitas vezes deletério, canónico ou penal. Foi necessário à Santa Sé de Bento e Francisco "forçar" a mão clerical, "garantística" e paroquial, mal habituada a fazer o que quer desde a formação dos seminaristas, para "obrigar" à celeridade e à eficácia das comunicações dos abusos à Congregação, logo, à Santa Sé. Porquê? "Porque a acusação contra Deus concentra-se sobretudo em desacreditar a Sua Igreja como um todo e em afastar-se dela". Nós "não somos Igreja" no sentido em que não existe uma Igreja criada por nós - "é, na verdade, uma proposta do diabo para nos afastar do Deus vivo". "A Igreja não é só constituída por peixes maus e divisões: é o instrumento através do qual Deus salva". O pecado e o mal existem na Igreja. Mas a Igreja da fé, santa, "é indestrutível". Não sei se a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) leu este texto do Santo Padre emérito. Todavia, leu e falou sobre o "relatório Strecht", "indignando" e "desiludindo" sobretudo movimentos e "católicos" adeptos confessos do relativismo moral - que se encontra praticamente todo traduzido na opinião fútil que se publica - e da Igreja do culto político, "mundana". Não, a Igreja portuguesa não foi feliz na sua comunicação. "Medidas" como um memorial às vítimas a erguer em pleno local da Jornada Mundial de Agosto, para lá ficar, são patéticas. A CEP não tinha, evidentemente, de fazer do relatório um processo canónico ou civil, dadas as suas indeterminações e insuficiências. Mas devia ter deixado claro as suas (dela, CEP) indeterminações e insuficiências no tratamento dos abusos. É essa a lição de Bento XVI que procurei resumir. "Mesmo rodeados de lobos, sairemos vitoriosos enquanto ovelhas. Contudo, se nos tornarmos lobos, seremos derrotados porque seremos privados da ajuda do Pastor".

Juristas

João Gonçalves