Radiografia da costa portuguesa

Pedras seguram o Lugar da Pedra

josé carmo/global imagens

No lugar de Pedra Alta, freguesia de Castelo do Neiva, concelho de Viana do Castelo, ainda há uma rua que se chama Rua das Dunas. Mas o topónimo já é quase uma evocação do passado. A duna que resta está a recuar e o arruamento é território ameaçado pelo avanço do mar.

"Dizem que vão fazer aqui um paredão de 'pés de galinha' para proteger as casas", confia Domingos Dias, 83 anos, pescador reformado e testemunha dos efeitos imparáveis das investidas marinhas. Percorrendo a estrada sobre o derradeiro cordão dunar, extensamente ressentido dos ataques do mar, aponta a água para além da linha de espuma branca e evoca: "Como este fieiro (duna), havia outro onde está agora a água". Olha as moradias alinhadas na Rua das Dunas e confidencia: "O meu filho comprou uma casa; um dia destes vai vendê-la..." Antes que seja tarde.

Quem entra no lugar pelo Norte alcança o significado da confidência. O que resta das dunas está tomado por construções ameaçadas. Armazéns de pesca e casas num delgado cabeço de areia precariamente amparado na base por pedregulhos. "Quando era miúdo, este fieiro tinha o dobro e muito areal - daqui para a Amorosa, era uma praia só", conta Paulo Rolo, 40 anos, pescador, morador numa casinha aninhada do outro lado da rua. O mar já chegou a tocar os armazéns e ameaçou galgar a duna. Mas colocaram as pedras a proteger, explica.

A melhoria teve prazo. O enrocamento apresenta sinais de ataque pelo mar e o cordão de pedra que protege o aglomerado de casas, os armazéns e os barcos recolhidos para terra evidencia a precariedade da função. "Antigamente, os barcos ficavam onde está agora a ponta do molhe", lembra-se Manuel Silva, 45 anos, confirmando o avanço do mar. Tanto que foi tragando casas. "A minha foi levada em 1993", precisa.

O velho Domingos Dias é que serve de cicerone a mostrar o sítio que foi o da casa do vizinho, onde o mar fustiga uma obra aderente - um talude de pedras, ou enrocamento - a proteger uma casa próxima. "Se não fossem elas, também já lá não estava", diz, caminhando sobre o passadiço instalado numa intervenção de protecção e reabilitação da duna (agora assinada pelo Polis Litoral) que parece mostrar viçosos resultados.

Na Praia da Amorosa, a velha, o mar avança de encontro à esplanada amuralhada rodeada de vivendas. No troço para Sul, é evidente o ravinamento da duna, protegida na base por um enrocamento e encimada por modestas casas de cores recentemente refrescadas que reverberam o sol estival. Entre elas e o precipício sucessivamente talhado pelo avanço do mar, resta uma tira estreita.

No troço Norte, são já visíveis os efeitos de um projecto de requalificação ambiental das dunas da Amorosa. Numa extensão de 3,9 quilómetros, entre a Ribeira da Anha e a Amorosa Velha, implicou a estabilização da duna, monitorização da evolução costeira, combate a espécies infestantes como a acácia e o chorão, limpeza da ribeira, plantação de vegetação ribeirinha e dunar, controlo e delimitação de acesso, passadiços, paliçadas, miradouros.

"Está a resultar", testemunha David Rei Miquelino, 60 anos, concessionário do bar "Pénareia" há 16 anos. "Tem recuperado muito" e até já tem montado mais barracas do que antes da intervenção - umas 170 ou 180 contra as 70 do início da concessão.