A casa da escarpa talhada pelo Oceano em S. Bartolomeu do Mar faz parte da iconografia do estado do litoral português. Está segura pelas pedras que o dono lá coloca quase todos os invernos. Está previsto: antes que seja o mar a tragá-la, há-de ser o camartelo.
O Plano de Acção para o Litoral 2007-2013 prevê mais de dois milhões de euros para intervenções que incluem a retirada de populações e reabilitação, devido ao avanço do mar (ver infografia).
Manuel, o dono do café contíguo cujas traseiras estão debruçadas sobre a ravina, nem quer ouvir falar do assunto. Ainda não se resignou nem aceita sair dali. Isabel, a mulher, confessa o medo infundido pelas investidas do mar nas invernias mais agrestes.
Na varanda da casa da escarpa, uma tabuleta anuncia "Aluga-se", mas já nem proprietário leva a sério a oferta. Para o Verão, ainda poderá ser, aluguer permanente está fora de causa.
Vasco Cardoso Viana, 66 anos, teve berço em S. Bartolomeu do Mar, testemunhou a conquista determinada da costa pelo mar, tragando o areal que escorria para longe. "Onde estão as pedras à vista, a juventude jogava à bola e mesmo a maré alta ficava a mais de 100 metros". Era também nele que se espraiavam as ondas de crentes e forasteiros gozando o espectáculo do "banho santo" (ver "Ficha").
Pedras e tribunal
Com obras portuárias e costeiras a Norte, as coisas pioraram de ano para ano e a ameaça às casas intensifica-se. "Tivemos que proteger-nos à nossa custa", conta. Viu-se a responder em tribunal por ter mandado colocar as pedras à revelia delas. Foi absolvido, mas não guarda rancor.
Em Janeiro, lá teve de mandar colocar pedregulhos novamente, para segurar um bem que sabe "perdido"(ver "caixas"). "Se não fossem elas, teria ido abaixo", com o avanço do mar que continua avançar. Como adiante, nos campos das Marinhas, onde entrou galgando a frágil duna e engoliu terras de cultivo.
Na foz do Cávado, a face atlântica da restinga emagrece, embora se torne menos delgada à medida que se aproxima de um esporão que, a meia distância, retém as areias no troço Norte. No estuário, porém, o assoreamento aumenta e torna mais difícil a vida dos pescadores que se fazem à barra.
"A marina seca porque o lodo se acumulou e não houve nenhuma intervenção - deviam fazer uma dragagenzita", observa André Cardoso, 33 anos, presidente da Associação de Pescadores de Esposende. "Antigamente, havia nesta delegação mais de 4500 barcos registados e não estão aqui porque não têm condições e o rio não tem navegabilidade", diz.
As torres de Ofir continuam de pé. Um esporão reforçado imediatamente a sul do hotel sustém as areias que descem do norte. "Estamos a fazer um plano de praia, mas falta muita areia", esclarece o concessionário, Pedro Estêvão, 53 anos. "Com o esporão, aqui cresceu um bocadinho", mas "antigamente, à frente disto, havia duas fiadas de dunas".