"Tenho a meus pés o mar / cantando, só para mim,/ cantigas de embalar". Os versos, memorizados num painel de azulejos contemporâneo da criação - prenda do padrinho de casamento dos pais do dono da casa - são de Setembro de 1970 e não podiam ser mais premonitórios.
Nessa altura, o mar ficava para além de um areal estendido para além do logradouro da casa, erigida a partir de um dos velhos armazéns de apetrechos de pescadores e sargaceiros, atarracadas construções quase rudimentares em alvenaria e aberturas resumidas a um largo portal para entrada dos barcos e a minúsculas janelas.
Hoje, as ondas batem com vigor nas pedras que suportam o que resta da duna em que assenta este estranho lugar de Pedrinhas, freguesia da Apúlia, concelho de Esposende. Um lugar condenado a ficar sem casas com a reabilitação da costa (ver infografia).
A pergunta solta--se, inevitável, bastando olhar - de relance que seja - a erosão profunda que devorou o areal, depois as dunas e transformou num brinquedo frágil as robustas pedras colocadas ali para amparar o aglomerado: por quanto tempo?
"Isso é o que se está para ver", responde Francisco Manuel, 46 anos, a gozar a casa de férias e fim-de-semana da família. À frente, "era um areal descomunal"; hoje, resta-lhe meia dúzia de metros de relva debruçada sobre o abismo pedregoso e um Oceano a reclamar o que lhe pertence.
Da casa da sua infância saía para o mar; hoje, nem de escadas. E é enquanto a tiver. Na extremidade norte, pelo menos uma foi já destruída pelo mar. E outras podem ir.
Acontece há década e meia: cada vez mais intenso recuo da costa. Por causa da construção dos esporões a norte, diz ele. "Os pescadores da Apúlia é que tinham razão: diziam se que os fizessem iriam alterar as correntes. Foi o que aconteceu", diz.
"É irreversível - basta ver o mar aí à frente", acrescenta, apontando para a fileira de casas que resistem no que resta da duna à força de muita pedra colocada na sua base. No Inverno passado, recuou mais dez metros.
Francisco Manuel está à espera do futuro "Dizem que vão requalificar tudo - aqui e em Cedobem, onde há sete ou oito anos foram várias casas abaixo - mas a tendência é para piorar", observa.
"Cada ano que passa o mar está sempre a comer, nas Pedrinhas, mas aqui também!", diz Joaquim Silva, 35 anos, pescador em Cedobem, onde os efeitos dos esporões a norte deixaram a sua marca tragando uns 500 metros de areal, segundo as contas da sua memória e para onde o Polis promete uma reabilitação em força. "Vai tudo abaixo"...
"Hoje, já nos dão razão, mas quando avisámos o que ia acontecer..." Adriano Ribeiro, pescador, não se conforma. Deram-na um pouco tarde e já com resultados. "Tirou-se 100 metros ao esporão aqui a norte e resultou logo - escavou menos", regozija-se.
Pena que não dêem ouvidos noutras coisas. Por exemplo, "os sacos de areia que andam a pôr para aí nas dunas são um perigo, porque se prendem nas hélices. Dizem que são ecológicos, mas é errado - o mar bate e rasga-os e depois andam pedaços soltos no mar... Já viu o que é prender-se numa hélice e deixar um barco à deriva com o mar bravo?!"