Cultura

Lúcia Vaz Pedro: "Escrever um romance erótico pode ter magia"

"Não sei se há poucos homens a ler romances eróticos. Poderá é haver poucos a assumi-lo" Direitos reservados

Depois de "Prova-me", publicado em 2021 pela Marcador, Lúcia Vaz Pedro regressa ao registo erótico com "Prova-me outra vez".

Com a intenção de ser "delicadamente voluptuosa, sem ser excessivamente lasciva", Lúcia Vaz Pedro voltou aos romances eróticos. Em "Prova-me outra vez", a autora gaiense retorna a Raquel, mas "alterando algumas das suas características iniciais, que a fizeram 'tombar' no primeiro livro".

Habituada a outros registos, da poesia à literatura para crianças, a escritora define-se, antes de mais, como "uma autora heterogénea", lamentando apenas a falta de tempo para se dedicar mais à escrita.

Porquê este regresso ao romance erótico menos de dois anos depois da sua primeira incursão?

Este "Prova-me outra vez" deveria até ter chegado mais cedo, mas não consegui. É a continuação da história do "Prova-me". A personagem principal, Raquel, nessa altura, tinha um longo processo pela frente, embora, ainda neste continue a ter.

Por já conhecer melhor os rudimentos deste registo, a sua missão foi facilitada?

Sim. Foi mais fácil escrever este registo. No entanto, tive uma outra preocupação: trabalhar a personalidade de Raquel, modelá-la, alterar algumas das suas características iniciais, que a fizeram "tombar" no primeiro livro. Por outro lado, nunca pude perder o foco de que o livro tinha um cariz erótico.

Que ecos lhe chegaram do livro anterior por parte dos leitores?

Foi surpreendente. Nunca imaginei. Apesar da antipatia que muitos nutriram por Raquel, gabaram a mestria da palavra na descrição das cenas eróticas. Os espaços, trabalhados ao pormenor, permitiram o visualismo necessário à abstração e ao cultivo da imaginação que fomenta a leitura. Procurei, acima de tudo, que a palavra fosse delicadamente voluptuosa, sem ser excessivamente lasciva.

Existe a ideia de que o público que consome este género é, na sua larga maioria, feminino. É mesmo assim?

Trata-se, na verdade, de uma ideia. E isso porque elas não têm pudor de o afirmar. Será uma afirmação de poder, de libertação. No entanto, têm chegado até mim muitos comentários positivos por parte de leitores masculinos.

Por que razão ainda haverá poucos homens a ler romances eróticos?

Não sei se, na realidade, haverá poucos homens a ler romances eróticos. Poderá haver poucos homens a assumi-lo. Talvez porque pensem que esse tipo de literatura tem como público-alvo as mulheres, devido à onda de euforia feminina que se iniciou com "As Cinquenta Sombras de Grey". Talvez pensem que ler um romance escrito por uma mulher sobre a mesma temática seja para um público feminino e ainda tenham algum pudor em admiti-lo.

Quais os principais inimigos do erotismo na nossa vida?

Escrever sobre o erotismo não significa viver o erotismo. Podemos sonhá-lo, imaginá-lo. Daí o poder da escrita e da leitura. Assim, na minha perspetiva, os principais inimigos do erotismo são a rotina, o cansaço, a falta de romantismo.

Os livros eróticos que encontramos nas nossas livrarias são sobretudo traduções. O que, em seu entender, impede os portugueses de escreverem mais romances eróticos?

A nossa sociedade é muito preconceituosa. Não fala, não escreve, não diz, não aceita aquilo que faz naturalmente. O sexo faz parte da vida. Escrever um romance erótico pode ter magia, se for cuidado, se usarmos toda a riqueza da Língua Portuguesa. Existem tantos recursos na nossa língua que não há tradução que a consiga expressar. Temos uma língua tão rica, com um vocabulário tão abundante e caprichosamente requintado que seria uma pena não o aproveitarmos para retratar a magia do erotismo e da paixão.

A fronteira entre o erotismo e a pornografia nem sempre é de fácil definição. É uma preocupação que a assola na escrita?

Claro que sim. Desde o início. Escrever é um labor frágil de escolha de palavras e basta uma má escolha para que um texto se torne reles. Por isso, muitas vezes, fiz e refiz, escrevi e reescrevi cenas mais íntimas, que procurei realistas sem serem promíscuas. No primeiro "Prova-me", a linguagem é mais intensa, devido à personalidade mais carnal de Raquel; no segundo "Prova-me Outra Vez", a linguagem reflete as mudanças que se operam na personagem, no que diz respeito à visão que tem sobre o sexo.

Os clássicos da literatura erótica são sobretudo escritos recentemente. Só muito recentemente a visão feminina começou a ter peso. A dualidade de géneros está a chegar à literatura erótica?

A Portugal só agora e a custo. Mas, como se pode ver as pessoas querem ler, embora lhes custe a assumir. Escrever literatura erótica é difícil, mas um desafio de que não estou arrependida.

Quão diferentes são as abordagens literárias no que toca ao erotismo feitas por homens e mulheres?

Muito diferente. Os homens são mais crus, mais diretos, mais objetivos, na abordagem do sexo. Alguns chegam a ser cruéis, como é o caso do Marquês de Sade. Enquanto mulher, procurei escrever com um ponto de vista feminino do erotismo e com um toque de poesia, retratando os momentos eróticos e o sexo explícito com delicadeza. Além disso, houve a preocupação de contar uma história interessante, atual e com algum realismo.

Este género ganhou uma grande visibilidade há uma década com o fenómeno "As cinquenta sombras de Grey". Não acha que, depois deste livro e de muitos outros sucedâneos, houve uma certa saturação dos leitores?

O universo de "As cinquenta sombras de Grey" não me fascinou. Talvez eu tenha aceitado o desafio de escrever este livro, porque achei que podia fazer melhor. Não aprecio o sadomasoquismo. O erotismo é muito mais do que isso. Além disso, aqueles cenários não me pertenciam. Eram de um universo muito artificial, a linguagem, pouco trabalhada, as personagens, muito planas.

Quais as referências deste género?

O Marquês de Sade e Henry Miller de que não gosto por serem tão rudes. Anais Nin, de que gosto muito, pela sua subtileza na linguagem.

Que mudanças procurou incutir à sua protagonista neste "Prova-me outra vez"?

Raquel é e continuará a ser uma personagem modelada. Ainda não está terminada. Espero que haja um terceiro livro para lhe dar um desfecho.

Neste segundo, ela vai assimilando a lição de vida que levou no primeiro. Medita e reflete e procura colocar em prática uma nova Raquel. Cai pelo caminho, mas levanta-se, mais forte, mais resiliente, mais solidária para com as outras mulheres. É uma mulher atual, uma mulher que sabe o que quer e como quer. O amor há de chegar no momento certo.

Tem muitos livros publicados além da série "Prova-me", nomeadamente romances e livros para crianças. São registos que deixou em definitivo para trás?

Assumo-me como uma autora heterogénea. Escrevo de tudo um pouco, o que me falta é tempo, porque a escrita demora muito e eu também dou aulas e formação de professores. Porém, se há dia que não escrevo, não é a mesma coisa. A poesia é algo que, por exemplo, me faz sonhar, por isso, está no meu horizonte compilar os meus poemas e fazer o "Pulsações Escritas" antes de morrer.