Nuno Rogeiro

Falar claro sobre Guantánamo

Independentemente do que pensarmos sobre a prisão de Guantánamo, a sua legalidade e legitimidade, importa falar claro sobre o assunto. Se fosse preciso falar da posição pessoal do autor destas linhas, seria fácil. Sempre pensei, disse e escrevi que o centro de detenção de Gitmo (como é conhecido nos meios familiares) não pode ser considerado uma prisão, porque ali não há ninguém a cumprir penas. Não houve tribunais regulares a julgar, não houve sentenças, não houve recursos. Por outro lado, também sempre referi que "Gitmo" não fazia sentido: os EUA tinham a obrigação estrita de julgar pela sua magistratura civil todos os detidos, suspeitos de terrorismo ou actos assimilados.

Os alegados bombistas das embaixadas americanas em Nairobi e Dar es Salam (em 1998) foram julgados num tribunal de Nova Iorque. Por maioria de razão o deviam ter sido os membros de organizações que prepararam, perpetraram ou apoiaram o 11 de Setembro, ou encobriram e deram guarida aos culpados.

Ajudou Portugal a construir o cárcere de Gitmo? Penso que não.

Autorizou Portugal que aviões oficiais americanos transportassem detidos para Guantánamo, depois de se estabelecer um consenso sobre a irregularidade - face às leis internacionais - desses voos?

Não o vi também provado, e as autoridades portuguesas sempre o negaram.

Houve agências oficiais americanas, ou agentes de Washington, a efectuar deslocações aéreas ou navais clandestinas, usando território terrestre, aéreo ou naval português, no transporte dos mesmos capturados?

Talvez. Se isso fosse revelado, Portugal deveria extrair consequências do assunto, e efectuar os procedimentos judiciais adequados, ou emitir as notas de protesto necessárias.

Outra questão é a dos voos de Guantánamo para fora, no processo de repatriamento acordado desde 2006/2007, e pelo qual muitos países aceitaram receber detidos. Portugal, e o MNE, tomaram a iniciativa de sugerir este processo, a Washington e ao Mundo, no sentido de fechar Gitmo. Essa ideia surgiu em reuniões especiais entre Luís Amado, Condoleeza Rice e o principal jurista do Departamento de Estado, John Bellinger.

Se Portugal, genericamente consultado pela embaixada americana em Lisboa, tiver explicado que só aceitava voos de repatriamento que respeitassem a lei nacional, cumpriu o seu papel.

Outra questão é saber se esses voos se deram.

NUNO ROGEIRO