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Mosquitos, clima quente, militares como juízes. Trump inaugura a "Alcatraz dos Jacarés"

Trump durante visita ao centro de detenção em Ochopee, no estado da Florida. Foto: ANDREW CABALLERO-REYNOLDS / AFP

O presidente norte-americano visitou na terça-feira um novo centro de detenção de imigrantes localizado no meio de uma região pantanosa na Florida, conhecido como “Alcatraz dos Jacarés”. O local, contestado por grupos de Direitos Humanos e ambientalistas, é o novo símbolo da guerra anti-imigração do Governo dos EUA.

O centro de detenção que deverá custar 450 milhões de dólares (382 milhões de euros) por ano foi construído em oito dias com grandes tendas, caravanas e construções temporárias. Está previsto que receba inicialmente três mil pessoas, podendo a capacidade ser expandida para cinco mil. Ficarão em beliches cercados por vedações.

“Muito em breve, esta instalação irá albergar alguns dos migrantes mais ameaçadores, algumas das pessoas mais cruéis do planeta”, afirmou Donald Trump. “Olhei para fora e não é um lugar para onde queira fazer caminhadas tão cedo”, disse o líder da Casa Branca durante a visita ao local, construído numa pista de aterragem isolada na área de pântanos conhecida como Everglades, a mais de 70 quilómetros do centro de Miami. “Estamos rodeados por milhas de pântanos perigosos e a única saída é mesmo a deportação”, acrescentou.

A rápida construção no inóspito lugar, caracterizado pelo clima quente, os mosquitos, cobras e jacarés, foi possível devido a uma declaração de emergência emitida pelo governador da Florida, Ron DeSantis, ainda durante o Governo de Joe Biden, para lidar com o que considerava ser uma crise de imigração irregular. DeSantis está a propor também que membros da Guarda Nacional do estado façam o trabalho de juízes de imigração, acelerando as deportações.

A alcunha de “Alcatraz dos Jacarés” foi adotada pelos próprios apoiantes de Trump, que começaram a partilhar publicações de jacarés com bonés escritos ICE (sigla da agência de Alfândega e Imigração dos EUA). É uma referência à Prisão de Alcatraz, localizada na Baía de São Francisco, na Califórnia – e que o presidente norte-americano quer reativar após mais de seis décadas. “O trabalho conceptual começou há seis meses, e várias empresas de desenvolvimento prisional estão a considerar fazê-lo connosco. Ainda é um pouco cedo, mas promete bastante!”, escreveu na rede Truth Social.

Principal bandeira deste segundo mandato do conservador, a luta contra a imigração já resultou em medidas polémicas, como o envio de pessoas para o Centro de Confinamento de Terrorismo, em El Salvador, para a Prisão de Guantánamo, em Cuba, e para países terceiros sem o imigrante ter uma relação com tal, incluindo o Sudão do Sul. Protestos anti-rusgas da ICE fizeram com que Trump enviasse a Guarda Nacional para Los Angeles, contrariando o governador da Califórnia.

Projeto gera contestação

Durante o evento de inauguração, em que esteve presente também a secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, diversos manifestantes protestaram. Além da contestação por parte de ativistas dos Direitos Humanos e ambientalistas, já que o centro de detenção está localizado no meio da reserva natural de Big Cypress, ativistas da causa indígena demonstram revolta, pois na região ainda existem 15 aldeias tradicionais dos Micosuques e Seminolas, bem como cemitérios e locais de cerimónias.

“À medida que o presidente Trump intensifica a sua agenda de medo e divisão, somos lembrados de que esta ação cruel e desumana faz parte de uma estratégia mais ampla para expandir a máquina abusiva de detenção em massa e, por sua vez, criminalizar e fazer desaparecer membros das nossas comunidades”, denunciou Bacardi Jackson, diretora-executiva da organização União Americana pelas Liberdades Civis da Florida.

“As nossas leis – tanto as dos EUA como as da Florida – proíbem punições cruéis e incomuns. No entanto, esta instalação ecoa parte da história mais sombria da nossa nação, ao mesmo tempo que esmaga a própria terra que as comunidades indígenas há muito lutam para proteger”, continuou Jackson.

“Deixando de lado se o intratável impasse político sobre a reforma da imigração constitui uma 'emergência', isto não dá licença aos Governos estaduais e federal para simplesmente desconsiderarem as leis que regem os projetos federais que afetam terras ambientalmente sensíveis, cursos de água essenciais, parques e reservas nacionais e espécies ameaçadas”, sublinharam as organizações Amigos dos Everglades e Centro para a Diversidade Biológica, que estão a processar as autoridades locais, estaduais e federais.

Gabriel Hansen