Opinião

Cadafalso europeu

Sem que se entenda um racional evidente, a Europa embarca na política de rearmamento à boleia de uma percepção de domínio e chantagem norte-americana que devia fazer corar de vergonha os líderes europeus, se os houvesse. Aparentemente, a Cimeira da NATO apontou um caminho comum de união entre os membros, fingindo que se rearma em nome da saúde da sua defesa quando, na realidade, prega estacas de destruição no Estado social europeu que construiu a pulso durante décadas. Portugal vai reforçar em cerca de mil milhões de euros a verba para o investimento directo em aquisições de equipamentos, infraestruturas e valorização dos recursos humanos na Defesa até ao final deste ano (2% do PIB em Defesa já em 2025), num investimento total que suportaria sete meses de custos do SNS. E assim se entendem as prioridades. Indiferentes quando vêm da oposição, para cumprir quando surgem pela imposição.

Que os EUA queiram desmantelar o Estado social europeu, não admira. Mas, à excepção de Espanha, que o faça com a concordância acéfala da União Europeia é de um requinte que ilumina a vergonha alheia. A mensagem de Mark Rutte, tristemente revelada por Donald Trump no seu estilo de indiferença perante o que deveria ser privado, talvez aconselhe outros políticos a maior recato na exposição das suas fraquezas e pequenez. É assim que o secretário-geral da NATO entra para a História como o grande bajulador saciado pelos feitos do seu “daddy”.

“A Europa vai pagar em grande, como devia, e será uma vitória tua”, lia-se na mensagem do neerlandês, desfeita em elogios sabujos sobre o ataque ao Irão e sobre o aumento da despesa militar na Europa. Mark Rutte devia saber, enquanto pateta alegre diplomático que, ao nível da psicologia barata, Trump ganha sempre por goleada. Ao ver a sua mensagem revelada publicamente, vence o prémio da vassalagem no carro-vassoura dos interesses. Tem o lugar que merece, sem vinho verde latino.

Resta a consolação de pouco disto ser para valer. Ao longo dos próximos quatro anos, Portugal investirá acima dos 2% do PIB, de forma gradual e crescente, para em 2029 estar em posição de cumprir o objetivo final de 5% nos seis anos seguintes. Isto, sem metas anuais impositivas, sem tectos fixos, com o horizonte temporal de 2035 para chegar aos 5%, com a possibilidade de “revisão estratégica” em 2029. Ou seja, só o imediato é para levar a sério, já que em 2029 estaremos – provavelmente – com uma nova administração norte-americana e todo um novo mundo que não se adivinha. Na Europa, este é só um cadafalso para várias decapitações.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

Miguel Guedes