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Kaela faz música acima do limiar da consciência

Crítica de música

Vai para dez anos que Kaela Sinclair, mais conhecida apenas como Kaela, faz parte da formação de palco dos M83. Agora, chegou o momento desta cantora, compositora, multi-instrumentista e produtora de Los Angeles revelar o que vale num álbum a solo. E vale muito.

Muito de “Supraliminal” (edição Other Suns) parece provir da new age, da música ambiental cósmica, do krautrock. As composições fazem-se de camadas de eletrónica analógica – camadas acolhedoras, aparentemente lineares, com um esqueleto melódico, uma soma sábia e densa, evidenciando-se sobretudo nas composições mais extensas: as cores primárias de “Eternal posture”, a experiência psicadélica pouco tranquilizadora de “Care of the offspring”, o quarto de hora final de “Time crystals”, que tanto vale como flutuação interestelar ou intrauterina. Tangerine Dream e The Orb não estão longe da vista e do coração.

Volta e meia, Kaela ronda a composição erudita contemporânea. É o caso de “Waves of Tapasia”, em que o piano é rodeado de um plácido quebrar de ondas. O mesmo instrumento, em “Age of innocence”, parece estar a um passo da desintegração, o som evasivo de teclas em colapso envolto num ambiente industrial, puro expressionismo.

Em dois momentos, “Supraliminal” (termo que define algo que existe acima do limiar da consciência) torna-se synthpop, que Kaela também molda com total mestria: primeiro cautelosa, quase um esboço, em “Tender”, a sua voz um fantasma; depois, a penúltima faixa, “Devotion”, uma revelação, maquinal e apaixonada, o canto a pairar como um cruzamento etéreo entre Harriet Wheeler (The Sundays) e Elizabeth Fraser (Cocteau Twins).

A veloz “Valley of the moon” é uma súmula de muitos traços que atravessam o álbum: a riqueza de pormenores, a arquitetura orquestral, os arranjos, o arco emocional, a atenção ao detalhe, numa viagem que parte do passado – no caso, uns anos 1980 hi-tech e noturnos. Kaela já merece atenção bastante superior.

Jorge Manuel Lopes