Cultura

FITEI de volta: “A missão do teatro é interferir na cidade”

"Anna Karénina”, no Teatro S. João pela criadora espanhola Carme Portaceli Foto: Direitos reservados

Festival traz 16 espetáculos a Porto, Matosinhos, Gaia, Viana e Monção, entre hoje e 25 de maio. O diretor Gonçalo Amorim guia-nos pelo cartaz

Teatro Espectros, Eros e Sacrifício. É sob este signo que a 48.ª edição do Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI) quer refletir sobre os desastres e desafios da atualidade. A proposta inclui 16 espetáculos de cinco países, onde constam seis estreias nacionais e quatro absolutas, que poderão ser vistas, entre hoje e 25 de maio, em salas do Porto, Matosinhos, Gaia e Viana do Castelo – além de Monção, que irá acolher o FITEI pela primeira vez, no Cineteatro João Verde, dia 24.

Selecionados a partir de visitas a festivais internacionais e de propostas recebidas, são os espetáculos que vão ditando a substância de cada edição, explica Gonçalo Amorim, diretor do FITEI: “Partimos de uma bolsa de oito ou nove espetáculos onde parece haver um conjunto de preocupações comuns”. Este ano, diz o responsável, há uma forte presença de “forças simbólicas em palco e situações espectrais”; há vários espetáculos onde se manifesta “a relação do corpo com o erotismo”; enquanto a “dimensão sacrificial” remete para a imagem dada por Eduardo Lourenço de Próspero e Caliban, personagens da “A tempestade”, de Shakespeare, para nos falar sobre a “relação entre colonizador e colonizado”.

Já há sessões esgotadas

Entre os temas abordados pelos espetáculos – muitos deles já esgotados, num ano de procura “surpreendente”, diz Amorim –, estão alguns dos flagelos contemporâneos: guerras, crise climática, migrações ou saúde mental. “É necessário que o teatro continue a interferir na cidade como acontece desde a tragédia clássica”, diz o diretor.

Como propostas incontornáveis, Gonçalo Amorim sugere o espetáculo que abre hoje o FITEI no Teatro Carlos Alberto, no Porto. “Vampyr”, de Manuela Infante, explora o conflito entre a cultura e a natureza através de uma abordagem “simbólica”, convocando a figura do vampiro – híbrido de animal, humano e espírito.

“Kill me”, de Mariana Otero, que sobe ao palco do Teatro Rivoli, no Porto, a 17 de maio, é outro destaque. Resultado de uma residência FITEI, o espetáculo dá continuidade ao projeto “Remember to live”, já materializado em “Fuck me” (2020) e “Love me” (2022). No novo capítulo, a criadora argentina convoca à cena quatro intérpretes com distúrbios mentais – bipolaridade, esquizofrenia – para um encontro fantasmático com o coreógrafo e bailarino russo Nijinsky.

A versão de “A gaivota”, de Tchekhov, pela mão de outro argentino, Guillermo Cacace, é também salientada: “Explora a situação do ‘teatro dentro do teatro’ e concentra-se nas memórias dolorosas de Masha. É um espetáculo sobre cicatrizes”.

Outra adaptação de um clássico – com duas récitas já esgotadas no Teatro S. João, amanhã e sexta – vem da criadora espanhola Carme Portaceli, que se atira ao colosso de Tolstoi, “Anna Karénina”, partindo da ideia de George Steiner: “Anna Karénina morre no mundo do romance; mas cada vez que lemos o livro, ela ressuscita.”

“Sexo e morte: entre estados libidinais e liminares”, de Aura, será das propostas mais singulares do FITEI: cruza as dominatrix e as carpideiras numa performance de sessões contínuas, hoje, no Teatro Municipal Constantino Nery, em Matosinhos.

Ricardo Jorge Fonseca