Praça da Liberdade

No escuro, pensamos serenamente

Vivemos umas horas às escuras, com um misto de incerteza se isto seria um problema ibérico ou se seria algo mais do que isso. O que se estaria a passar para lá de França? Nos Estados Unidos? Na Rússia?

Certamente revimos todas as séries, filmes e livros de ficção que referem ciberataques, imaginamos não ter saldo nas contas bancárias e onde é que andariam “os nossos”, aqueles que nos são próximos e que já não estavam à distância de uma mensagem no whatsApp.

Tivemos tempo de imaginar tudo, dada a falta de comunicação imediata do Governo – antes do colapso das operadoras telefónicas – e de algumas autarquias. Imaginamos tudo porque fomos abandonados à sorte, ao ponto de se assistir a pessoas a regularem o trânsito, por falha dos semáforos.

O que aconteceu?

Num processo económico, comprámos energia a Espanha e não acautelamos “a falha”. Traduzindo para linguagem empresarial, já que há tanta gente que pensa que gerir o bem público é igual a gerir uma empresa, ficamos dependentes de um só fornecedor, e se ele falha, toda a nossa cadeia de produção irá colapsar. Por isso as empresas têm vários fornecedores para o mesmo bem, dado o seu grau de importância.

Há n relatórios técnicos que dizem que isto iria acontecer. O que fazer? Criar sistemas de retaguarda, para operar quando houvesse “a falha”. Já sabemos: não foi feito. Com isso, os trolls do PSD e PS, em plena campanha eleitoral, apontam o dedo um ao outro, enquanto o Chega aponta aos dois.

Neste momento de angústia, o que não falhou foi a solidariedade entre todos. As pessoas que partilharam rádios, que tiveram a sensatez de levar das prateleiras apenas os bens que precisavam, porque começaram a faltar nos supermercados que ainda estavam abertos, os comerciantes a vender fiado, pessoas a partilharem carros. Não faltaram os bombeiros, a Polícia e os imigrantes que continuaram a trabalhar para que nada que dependesse deles faltasse.

Em meia dúzia de horas conhecemos o melhor e o pior de nós, portugueses. E, ao ver ao longe, o bem ganhou.

E agora?

Que venham os backups, blackstar ou outro nome que queiram chamar. Que pensemos que não controlamos a distribuição elétrica – apesar da calma e serenidade da intervenção do CEO da REN –, a produção de energia e a distribuição de água.

Estivemos umas horas às escuras e vimos toda a vida a retroceder para níveis de Terceiro Mundo.

Gaza está sem eletricidade há ano e meio. Será o suficiente para refletir?

João Rebelo Martins