Cultura

“Némesis”: desistir ou usar o desespero como um superpoder

“Némesis” tem encenação e interpretação de Joana Africano. Foto: Direitos reservados

“Némesis”, de Joana Africano, mistura mitologia e BD no palco do Teatro São João, no Porto. Para ver até este domingo.

Deusa da vingança e da retribuição divina na mitologia grega, entidade que castiga a ‘húbris’ – a arrogância, a ambição desmedida, tudo o que perturba a ordem cósmica –, Némesis é transportada para um universo “tecnológico, fascizante e belicista” no espetáculo encenado e interpretado por Joana Africano. Com selo da Subcutâneo – Teatro Hialurónico, “Némesis” está em cena no Teatro São João, no Porto, até domingo.

São dois planos que se vão cruzando e confundindo, explica Africano: “Há uma leitora ávida de BD, alguém com um passado traumático, vítima de bullying, que conhece de cor o livro em que a heroína é Némesis – cujo arqui-inimigo é Ramsés, líder de uma cidade distópica e opressiva.” Leitora e divindade são interpretadas pela atriz, num jogo em que se vai tornando difícil perceber onde começa e acaba a história de cada uma.

“Ou desistes ou te fazes à selva” é uma das mensagens de “Némesis”, que reflete sobre o poder regenerador da ficção, mas também sobre os perigos do escapismo, essa fuga ao confronto com os problemas.

“O espetáculo é sobre a forma como tentamos encaixar nas nossas vidas aquilo que é impossível de redimir, as injustiças que não serão reparadas. E, perante isso, podemos desistir ou usar o desespero como superpoder”, propõe a encenadora.

Embebido na estética da BD, dos videojogos dos anos 90 e no universo das ‘femdom’, “Némesis” inspira-se em vilões ambíguos como Joker ou V (“V de vingança”, de James McTeigue) e vai desdobrando a sua ação como se tratasse de uma sucessão de vinhetas.

O texto de Pedro Galiza vai criando essa confluência entre o passado da leitora e as dificuldades da heroína, num espetáculo que apela à “coragem para enfrentarmos aquilo que escapa à razão, mesmo que o combate seja desigual, contra Ramsés ou contra os bullies”, conclui Joana Africano.

Ricardo Jorge Fonseca