O mítico número 10, os extremos e trincos estão a desaparecer e enfrentam novos desafios e responsabilidades no jogo.
Desde o Ajax de Cruyff, ao Milan de Sacchi, passando pelo Barça de Guardiola e do célebre tiki-taka, o futebol tem vindo a evoluir e o dos dias de hoje está mais intenso fisicamente e taticamente diferente. Em algumas posições, como a de “trinco”, a de 10, os extremos e os laterais, as funções mudaram. Numa entrevista recente ao jornal “El Mundo”, Fabio Capello elogiou os conceitos de Guardiola, mas também disse que causaram grandes danos ao futebol: “Toda a gente passou anos a copiá-lo. Impôs a ideia absurda que jogar bem era só toque, toque, toque… Depois são 90 minutos de passes laterais, sem luta, nem corrida, mas por sorte, o futebol está a mudar”.
A tendência atual privilegia linhas médias compactas e linhas defensivas altas e exige-se aos jogadores que combinem capacidade técnica com intensidade. O “trinco” já não desarma só, tem de saber sair a construir e não hesita em baixar entre os centrais. “Há mais intensidade e menos espaço e isso tem implicações na tomada de decisão e uma exigência sobre todos os jogadores, que antes existia de uma forma mais acentuada em algumas posições afetas ao meio-campo. Pede-se agora ao central que tome decisões como um médio, que baixe a organizar jogo, onde há mais tempo para isso. Quando não há essa capacidade/característica procura-se decidir rápido e da forma mais fácil/segura para o lado e por fora”, justificou, ao JN, Daniel Sousa, ex-treinador do V. Guimarães, que defende que as equipas grandes são as que têm feito evoluir o futebol: “Tendo a obrigação de ganhar mais vezes, essas equipas têm maior responsabilidade ofensiva no jogo. Isso significa encontrar caminhos para a baliza perante adversários que se vão moldando e tornando esses caminhos mais difíceis e, continuamente, o ataque tem de se reinventar”.
A lógica passou a ser mais controlar o espaço e como o adversário pressiona e, a par dessas mudanças, a tecnologia trouxe métricas que desvalorizaram o jogador “romântico”. O tradicional número 10 joga com funções/posições diferentes. “A linha de três centrais praticamente liquidou a posição seis e o 10 também não ganha muito com esse modelo. Já vimos o Sporting jogar com um duplo pivot (Hjulmand/Morita) e o F. C. Porto com Eustaquio/Varela. No Benfica, o Florentino é o chamado limpa para-brisas, joga, sobretudo, à largura do campo, com pouca profundidade. Mas é um facto que aparecem poucos jogadores com características de um 10, o que, se calhar, também tem a ver com questões de formação”, apontou Manuel Machado, em declarações ao JN.
Os laterais surgem mais projetados nos corredores e os extremos aparecem mais por dentro e em flancos opostos ao pé dominante para privilegiar o futebol interior e aparecer em zonas de remate. “Há diferenças significativas em defender com uma linha de cinco, que permite coberturas dos defesas mais próximas, e de uma linha de quatro que alteram substancialmente o posicionamento e dinâmica defensiva, pelo facto de poder expor a equipa a situações de golo”, comentou Daniel Sousa.
Rodrigo Mora é caso raro na Liga
Jogadores para assumir as funções de um 10 não há muitos e isso tem levado os treinadores a adaptarem-se, optando por uma estrutura tática diferente. Mas há um caso que se tem destacado. “O Mora tem todas as características para poder ser utilizado a 10, como o Deco ou o Nuno Assis, há uns anos. Mas esse tipo de jogador escasseia. São jogadores muito criativos, de um nível técnico elevado, enorme capacidade no um contra um, criam roturas, são imaginativos e, neste momento, praticamente, não temos”, explica Manuel Machado.
“Extremos estão a desaparecer, ocupam posições interiores”
Diogo Valente, jogador do Salgueiros
Diogo Valente ainda joga nos Salgueiros, no Campeonato de Portugal, e com 40 anos é dos poucos jogadores em atividade que viveu o futebol do século passado e a forma como ele era pensado. Habituado a jogar a extremo, o jogador comparou o que lhe era pedido no início da carreira ao que se exige agora.
Que diferenças destaca em relação às funções de um extremo no início da carreira e agora nesta fase?
Apanhei essa transição e o que se pedia a um extremo. Era um jogador mais de pé dominante no corredor. Hoje os extremos jogam mais com o pé trocado, ou seja, os esquerdinos jogam mais sobre a direita e os destros sobre a esquerda, para abrir o ângulo e fazer movimentos mais interiores com bola. Sem bola cedem mais o corredor ao lateral.
O 3x4x3 influenciou o papel do extremo?
Nos sistemas que agora estão na moda os extremos estão a desaparecer, são jogadores que ocupam outras posições, mais interiores. Além disso, já não é um jogador só de ataque, tem de dar largura e aparecer no flanco oposto aos cruzamentos, mas depois também tem de fechar o corredor, o que exige uma capacidade física muito maior.
A mudança de funções do extremo também influenciou outros posicionamentos no ataque?
Sim, a do ponta de lança, que antes era muitas vezes servido por extremos de linha, ou corredor, era um jogador que procurava muito o cruzamento. Hoje já não é bem assim, já não é uma referência de área, não é tão estático, digamos assim, tem de ser um jogador mais móvel, capaz de alternar movimentos de apoio, com movimentos à profundidade, tem um raio de ação maior, ou seja, já não está só na área à procura dos cruzamentos.