Nacional

Novo medicamento para cancro do pulmão já chega a dezenas de portugueses

Invertebrados marinhos são fonte para o desenvolvimento de medicamentos inovadores para o cancro Foto: Direitos reservados

Tratamento para tumores muito agressivos ainda não está ser usado na União Europeia, mas está acessível com autorização especial. É o primeiro avanço em décadas para doença que regista 500 novos casos por ano em Portugal.

Depois de décadas sem qualquer avanço significativo, há um novo medicamento para o cancro do pulmão de pequenas células, um tipo de tumor especialmente agressivo. O fármaco ainda não está a ser comercializado na União Europeia, mas já há dezenas de doentes portugueses que estão a ser tratados com a lurbinectedina. No entanto, a verdadeira revolução poderá acontecer se este produto desenvolvido a partir de um invertebrado marinho for aprovado como tratamento de primeira linha, ou seja, logo após o diagnóstico.

O adenocarcinoma de grandes células é o cancro do pulmão mais frequente, enquanto o de pequenas células (assim designado pelo aspeto microscópico) responde por cerca de 13 a 15% dos casos. Apesar de afetarem o mesmo órgão (pulmão), os dois tipos apresentam diferenças substanciais, o que obriga a tratamentos diferenciados. Tanto a nível mundial como em Portugal, o cancro do pulmão é dos mais frequentes e o mais mortal entre as patologias oncológicas.“

O cancro do pulmão de pequenas células não expressa os biomarcadores habitualmente usados, tem um comportamento biológico muito diferente do cancro de não pequenas células. É uma doença agressiva, sem grandes alternativas de tratamento, pelo que é de prognóstico muito reservado”, explica ao JN António Araújo, diretor do serviço Oncologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP). Durante décadas, não houve desenvolvimentos significativos ao nível de terapêuticas para esta patologia que, em Portugal, regista 500 novos diagnósticos por ano.

A lurbinectedina já está a ser comercializada com a designação Zepzelca em 17 países, incluindo EUA, China e Suíça, mas ainda não tem aprovação da Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla original), pelo que só pode ser administrada se os hospitais solicitarem uma autorização de utilização especial (AUE). Dos 73 pedidos de AUE feitos ao Infarmed, 65 foram aprovados para “doentes que já não disponham de alternativas terapêuticas” no país, confirmou ao JN a Autoridade Nacional do Medicamento.

Ensaio com 700 pacientes

“O novo medicamento está a ser usado em segunda linha, depois de o tratamento standard ter falhado. Tem demonstrado uma boa eficácia e elevada segurança (baixos efeitos secundários)”, segundo António Araújo. No Santo António, seis doentes estão a receber o novo fármaco. O número é baixo porque são poucos os que têm condições para avançar para uma segunda linha de tratamento, já que este tipo de tumor progride e metastiza rapidamente. Importa, por isso, arranjar soluções de primeira linha, para serem aplicadas logo que o diagnóstico é feito. Mas, para isso, é preciso esperar pela conclusão de um ensaio de fase III, que envolve 705 doentes de 30 países, que está a avaliar a eficácia em comparação com os tratamentos existentes. 

“No próximo congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, vão ser apresentados resultados de um ensaio com utilização em primeira linha. Parece que, pela primeira vez, vamos ter um avanço significativo na sobrevivência dos doentes com níveis de toxicidade muito aceitáveis. Ou seja, um aumento da esperança de vida sem grandes efeitos colaterais. O grande avanço será se conseguirmos aplicar este tratamento como primeira linha”, antecipa o oncologista.

Num outro ensaio, que envolveu 105 doentes, o medicamento registou resposta favorável em 35% dos casos, o que significa que a carga tumoral diminui pelo menos 30% e em 70% dos pacientes a doença estabilizou, segundo José António López-Vilariño, oncologista e responsável da PharmaMar, farmacêutica espanhola especializada em tratamentos oncológicos derivados de fontes marinhas. A lurbinectedina é o terceiro antitumoral da companhia.

O fundador e presidente da empresa, José Maria Fernández, espera que o medicamento chegue no próximo ano aos doentes da União Europeia. “A EMA decidiu que um ensaio válido para o resto do Mundo não é suficiente para a Europa e estamos a fazer agora outro ensaio, que compara com outros medicamentos”, explicou ao JN.

Além do cancro do pulmão de pequenas células, o novo produto está a ser usado também para tratar sarcomas de tecidos moles. No Santo António, há seis doentes com acesso à lurbinectedina: três com cancro do pulmão e três com sarcoma.

Helena Norte