Os Estados Unidos, tradicionalmente lugar de avanço científico, são hoje terreno hostil para muitos investigadores. Estamos no domínio do mundo inverosímil, mas possível. Frente a esta cruzada anticiência protagonizada pela Administração Trump, a Europa prepara-se para abrir as portas a cientistas que a América agora rejeita.
Não estando no topo dos alinhamentos noticiosos, a decisão do presidente dos EUA em proceder a substanciais cortes de financiamento às universidades e à investigação está a causar uma crise profunda no seio da comunidade académica norte-americana. Também se ordenaram cortes abruptos em bolsas de investigação, perseguições a estudantes envolvidos em protestos e até a imposição de uma lista de temas proibidos – entre eles, género, discriminação racial, transidentidade e clima.
Face a esta caça às bruxas, vários países europeus estão a promover uma rede de acolhimento para investigadores norte-americanos que enfrentam uma realidade cada vez mais sufocante. Em França, a ministra francesa da Investigação reuniu recentemente 11 homólogos europeus para redigir uma carta à comissária europeia da Investigação e Inovação. O objetivo é claro: demonstrar solidariedade e organizar uma resposta europeia para acolher cientistas em fuga. Portugal ficou de fora dessa missiva. Paralelamente à ação política, universidades e centros de investigação também entraram em ação. A Universidade de Aix-Marseille, em França, abriu um concurso com 15 vagas destinadas a investigadores norte-americanos – recebeu 150 candidaturas. A Universidade de Cambridge, no Reino Unido, anunciou uma injeção de financiamento específica para o mesmo fim. A Fundação Max Planck, na Alemanha, que inclui 84 institutos científicos, está a preparar mecanismos de integração. Suíça e Suécia seguem o mesmo caminho.
Mas a situação tem nuances complexas. Um dos obstáculos mais prementes é o problema dos salários, pois muitas instituições europeias não conseguem rivalizar com as remunerações competitivas dos EUA. Mesmo assim, a América deixou de ser atrativa para muitos. Uma sondagem publicada a 27 de março pela revista “Nature” revelou que, de 1600 investigadores inquiridos nos EUA, 1200 têm vontade de deixar o país, procurando asilo científico noutras paragens. A esse nível, a Europa emerge como ponto seguro. Falta apenas encontrar uma resposta europeia mais coordenada.
Nesta conjuntura, a pergunta que paira é inquietante: estará a maior potência científica do século XX a mergulhar no obscurantismo em pleno século XXI? A resposta não é tranquilizadora para ninguém.