Os projetos de investigação da UE fornecem novas perspetivas sobre o que é necessário para que as comunidades aceitem diferentes visões religiosas e do mundo. Mais conversa e menos julgamentos imediatos, são duas das ferramentas referidas.
Ann Trappers utilizou um choque na sua Bélgica natal para ajudar a sarar feridas sociais em toda a Europa.
Depois dos ataques terroristas islâmicos em Bruxelas, em março de 2016, que provocaram a morte de 35 pessoas, incluindo três bombistas suicidas e mais de 300 feridos, Trappers e os seus colegas de uma organização não governamental chamada Foyer procuraram reconstruir a confiança e a coesão da comunidade.
Utilizaram o centro de juventude da ONG, há muito estabelecido no bairro de Molenbeek que possui uma grande diversidade religiosa e étnica. A sua experiência contribuiu para uma iniciativa de investigação que recebeu financiamento da UE para explorar e promover a tolerância religiosa em oito países europeus.
"Uma das formas que utilizámos para combater a radicalização foi garantir que não se tornasse num assunto tabu", afirma Trappers, coordenadora do programa Foyer. "Queríamos que os jovens pudessem falar sobre o assunto livremente e em segurança no ambiente do centro de juventude."
As preocupações com a crescente polarização na Europa colocaram a questão na agenda política da UE.
A pasta de um vice-presidente da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, inclui o diálogo com as igrejas, bem como com as associações e comunidades religiosas. A pasta intitula-se “Promover o modo de vida europeu”. A UE está também a apoiar várias iniciativas, incluindo a Rede de Sensibilização para a Radicalização, destinadas a ajudar as comunidades europeias a viverem harmoniosamente em conjunto.
O projeto da UE em que a Trappers esteve envolvida decorreu de maio de 2018 a outubro de 2022 e foi designado RETOPEA. Reuniu organizações académicas da Alemanha, Bélgica, Espanha, Estónia, Finlândia, Polónia, bem como de países terceiros, como a Macedónia do Norte e o Reino Unido.
O projeto explorou a forma como a religião é encarada nos domínios educativo, profissional e social. Analisou também a forma como a coexistência religiosa pacífica se estabeleceu ao longo da história.
Passado e presente
A ideia era utilizar os conhecimentos adquiridos no passado para refletir sobre a tolerância religiosa nos dias de hoje.
"Não é frequente termos a oportunidade, enquanto historiadores, de tornar o nosso trabalho relevante", afirmou Patrick Pasture, que coordenou o RETOPEA e é professor de modernidade e sociedade na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica.
O projeto analisou mais de 400 extratos de fontes primárias de tratados de paz históricos, relatos noticiosos contemporâneos e excertos culturais.
Com base nestes materiais, os adolescentes da Foyer e de outras associações de jovens de cada um dos países participantes participaram em workshops para criarem o seu próprio vídeo blogue, ou “vlog”, sobre tolerância religiosa e coexistência. Os vlogs, disponíveis no sítio Web do RETOPEA, incluem entrevistas com pedestres, desenhos e outros trabalhos criativos.
Pasture disse que o ato de trabalhar em conjunto fez com que as diferenças entre os participantes deixassem de ser o foco.
"O mais importante será sempre o facto de as pessoas terem de aprender a conversar para não julgarem imediatamente", afirmou.
Espalhar a palavra
Pasture ficou impressionado com o número de alunos que desconheciam as crenças religiosas dos colegas e com a sua abertura para falar sobre o assunto.
Referiu que a maioria dos participantes estava preocupada com o fracionamento dos debates atuais sobre religião e "detestava" o aumento da polarização.
Cerca de um ano após a conclusão do RETOPEA, os resultados e os materiais recolhidos estão a informar ações de organizações interconfessionais, organismos governamentais e associações europeias de professores.
A equipa do projeto é convidada regularmente a fazer apresentações em workshops e seminários de ensino na UE e fora dela, em locais que vão desde a Áustria e a Itália até à Jordânia e ao País de Gales.
E a Associação Europeia de Professores de História, criada em 1992 para construir pontes educativas no continente após o colapso do comunismo na Europa de Leste, inclui os materiais do RETOPEA no seu sítio Web.
Meio termo
Outro projeto de investigação financiado pela UE debruçou-se especificamente sobre a noção de tolerância, ou seja, qual a sensação das pessoas quando se esforçam por aceitar os “outros” e qual a sensação de ser “tolerado”. A investigação recorreu principalmente a questionários e a experiências em linha.
"As pessoas têm as suas próprias opiniões e crenças e não podemos esperar que desistam delas e considerem tudo de igual valor", afirmou Maykel Verkuyten, que liderou a iniciativa e é professor de ciências sociais interdisciplinares na Universidade de Utrecht, nos Países Baixos. Denominado InTo de Tolerância Intergrupo (Intergroup Toleration), o projeto decorreu durante cinco anos, até setembro de 2022.
Ao realizar estudos nos Países Baixos e na Alemanha, Verkuyten e a sua equipa ficaram agradavelmente surpreendidos ao constatar que uma clara maioria das pessoas considerava a tolerância como um valor social importante.
Segundo ele, a maioria dos inquiridos concordou, por exemplo, com as duas afirmações apresentadas a seguir: "Aceito quando os outros fazem coisas que eu desaprovo plenamente" e "Toda a gente tem o direito de poder viver como quiser, mesmo que isso esteja em desacordo com aquilo que eu acho ser bom e correto".
Como nota de advertência, a equipa também descobriu que é muito mais fácil levar as pessoas a uma maior intolerância do que torná-las mais tolerantes.
Verkuyten é movido por um interesse no meio termo do assunto, onde existe espaço para opiniões diferentes sem qualquer desejo de as esmagar ou de as celebrar.
Segundo ele, esta zona deve ser promovida através de cursos de educação cívica, aulas de direitos humanos e outras iniciativas educativas para ajudar a garantir a saúde das democracias e das sociedades multiculturais.
"Há um meio termo entre ser muito negativo, discriminatório e aceitar plenamente toda a diversidade", disse Verkuyten. "Isso é essencial para o funcionamento de uma democracia liberal e indispensável para uma sociedade culturalmente diversificada".
A investigação neste artigo foi financiada pela UE através do Conselho Europeu de Investigação (CEI) da UE.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.