Cultura

"O Salto": tragédia sobre emigração de ontem espelha problemas de hoje

Elenco integra Teresa Mello Sampayo, Francisca Sobrinho, Francisco Pereira de Almeida, Zé Ribeiro, Sofia Vilariço e André Júlio Teixeira FOTO: DR

Peça de teatro estreia esta sexta-feira em Braga e inspira-se na fuga ao Estado Novo para originar análise sobre exploração atual de migrantes. JN ouviu o autor e encenador Tiago Correia.

A forma que Tiago Correia escolheu para mostrar “O Salto” é propositadamente dura, como foi dura a realidade de um regime que forçou tantos a querer sair do Portugal orgulhosamente só, oprimido e amordaçado. Durante a hora e meia da sua peça teatral, não há maquilhagem para suavizar a História, nem para a tornar menos complexa.

Pelo contrário: acentua-se a tensão, os conflitos interiores, as dúvidas e os medos de quem colocou a vida nas mãos de outros em busca de um destino melhor. Assim, esta é uma viagem de duplo sentido entre o passado e o presente.

“Todos os que procuravam fugir de Portugal estavam a lutar pela sobrevivência. Aconteceu naquele tempo com os portugueses e acontece agora com povos de outros países”, diz ao JN Tiago Correia, responsável por escrever e encenar “O Salto”, a criação da companhia A Turma que chegou aos palcos em setembro e que esta sexta-feira à noite se mostra pela primeira vez no Theatro Circo, em Braga, às 21.30 horas.

O tema ainda é tabu

O texto resulta de um projeto de investigação sobre a emigração portuguesa no Estado Novo, centrado nos anos 1960 e 1970. Inspirando-se em testemunhos reais, o autor retrata o drama de forma realista, mesmo que este seja um trabalho de ficção e não uma obra documental. 

Tiago Correia assume a intenção de levar para o palco temas que “continuam a ser tabu”: a fuga da guerra, da opressão e da fome em direção a um futuro indefinido, mas que se acredita ser melhor. “Uma das coisas que percebi é que as pessoas não têm problemas em falar sobre as motivações para emigrar, mas fala-se pouco da travessia em si e da miséria que por vezes se encontra do outro lado”, diz o autor.

Lutar pela vida

Para contar a história, Tiago Correia encheu um carro com cinco personagens: um jovem endividado e perseguido que se apresenta como “passador”, uma rapariga da aldeia que foge à miséria, uma criança por ela protegida, um desertor da Guerra do Ultramar e uma revolucionária. 

“São personagens muito diferentes, mas com um objetivo comum: procurar vida melhor, procurar liberdade”, resume a atriz Teresa Mello Sampayo, que contracena com Francisca Sobrinho, Francisco Pereira de Almeida, Zé Ribeiro, Sofia Vilariço e André Júlio Teixeira.

A iminência do pior

A viagem rumo à fronteira leva a uma tortuosa perseguição policial, que acaba num acidente de carro que deixa os ocupantes feridos e obrigados a lutar para sobreviver. 

“A partir dali há escolhas difíceis que têm que fazer, porque a iminência do pior está sempre presente”, sublinha Teresa Mello Sampayo. E isso era o que podia acontecer a todos os que entravam naqueles carros fatais. v  

Em 2025 há nova peça

“O Salto” é a primeira parte de um díptico centrado no drama da emigração que terá seguimento em 2025 – uma nova peça está a ser escrita por Tiago Correia para retratar o Portugal “multicultural” de hoje, um país que agora é recetor de migrantes. 

“É preciso recordar o que aconteceu connosco para questionar a forma como acolhemos os outros. Embora funcione de forma autónoma, esta nova peça terá ligações a “O Salto”, nomeadamente através de uma personagem em comum”, desvenda ao JN Tiago Correia. 

Com a ação centrada no sul do país, onde muitos migrantes são colocados a trabalhar “sem quaisquer condições” na agricultura intensiva, a ideia fundamental do autor e encenador é abordar a problemática das “redes da migração atual”. 

O assunto é tentacular: “Há uma máfia organizada que se alimenta disso, desse tráfico humano, dessa escravatura moderna que deixa as pessoas reféns. Isso deve ser, no mínimo, motivo de reflexão”, acusa Tiago Correia.



Ricardo Reis Costa