Opinião

Para ninguém morrer de desgosto

O comando à distância é sempre a tentação de quem não tem a possibilidade de interferir com a programação, mas pode ir moldando o contexto do que vê enquanto alterna de canais ou recorre a um “zapping” que todos varre. As escolhas são finitas e múltiplas para o presidente da República. Com a viabilização dos sete diplomas aprovados no Parlamento (cinco dos quais com os votos contra dos partidos que apoiam o Governo), Marcelo premiu um botão-gatilho, operando bem mais do que uma mudança de canal. Foi para além do pontapé de saída, estabeleceu a táctica presidencial para a aprovação do Orçamento de Estado para 2025 (OE2025) e obrigou todos os jogadores do tabuleiro político a irem para intervalo das férias a pensar na forma como vão aprovar o Orçamento que tantas vezes asseguraram não querer fazer passar.

A gratuitidade da oferta tem balizas no passado recente. Marcelo Rebelo de Sousa sabe bem que as suas decisões influem apenas quanto baste num contexto de um Executivo minoritário com um programa de governo alicerçado no voto de rejeição do PS da moção de censura do BE e do PCP. Para que a boleia que o Partido Socialista deu ao Governo de Montenegro se repita em Outubro, aquando do debate do OE2025, é necessário encostar a oposição a um conjunto de medidas que eles mesmo desejam e aprovam, rebuçado que os compromete a um legado de responsabilidade. Marcelo actuou como um facilitador orçamental. Mais do que garante da estabilidade, disse claramente que a estabilidade é ele, comprometendo o PSD a viver com a diferença e a oposição a não morrer com o desgosto de provocar as eleições que não deseja.

Os sete diplomas promulgados têm um impacto financeiro evidente, estando a factura das quatro medidas do Partido Socialista estimada em 733 milhões de euros para 2025. Luís Montenegro assegura que o reverso da medalha existe e que, se é assim, a negociação em sede de Orçamento fica mais apertada. Pedro Nuno Santos assegura que nada disto tem a ver com o OE2025, mas sabe que o cordão que Marcelo atou à cintura de todos não permite à oposição atirar-se ao mar revolto em pleno Verão. Independentemente da cor de cada um e da temperatura que se faça sentir até à discussão do Orçamento, o presidente da República abriu um manual de política e distribuiu o cardápio de desculpas inevitáveis a todos os quadrantes, desacelerando o tempo político. Paz social e férias grandes. Assim sendo, para o bem de todos, o país dispensa melodramas em Outubro.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

Miguel Guedes