Cultura

Um duplo olhar para o passado de Hugo Pratt

Ala dos Livros publicou recentemente segundo volume das obras menos conhecidas do autor veneziano Direitos reservados

Colecção "Obras de Pratt" recupera obras menos conhecidas do criador de Corto Maltese, proporcionando histórias humanas com a guerra como cenário de fundo.


Terminado 2023 e com a habitual acalmia editorial das primeiras semanas do novo ano, é altura de recuperar alguns dos títulos que a sucessão de novas edições impediu de ler e/ou recensear.

Uma delas, é o segundo tomo da colecção "Obras de Pratt", que a Ala dos Livros inaugurou com "Anna na Selva", e em que estão a ser recuperados títulos menos conhecidos do autor veneziano, que é como quem diz, o muito que ele fez para lá de "Corto Maltese" e "Os Escorpiões do Deserto", duas séries já com edição integral portuguesa.

Intitulado "Koinsky relata... meia dúzia de coisas que sei sobre eles", curiosamente é narrado pelo protagonista de "Os Escorpiões..." e reúne cinco narrativas originalmente escritas e desenhadas em 1956 e 1957, quando Pratt vivia em Londres.

São relatos de guerra, é verdade porque decorrem em cenários da Primeira e Segunda guerra mundiais, mas na realidade são apenas histórias de seres humanos que estiveram no local errado, no momento errado, porque é isso que a guerra é, e tentaram fazer o melhor possível, apesar da cobardia ou da coragem forçada, de crendices e superstições, de paixões e alianças momentâneas, de crenças, convicções, ideais ou dos meros acasos que o destino proporcionou.

Pensadas e executadas num tempo em que a banda desenhada não tinha o estatuto de que merecidamente goza hoje, possivelmente até para formatos diferentes, estes cinco contos amorais surgem agora numa edição cuidada, em que cada um é introduzido por um breve resumo, fotografias da época, aguarelas alusivas coloridas e desenhos preparatórios.

Cruzando protagonistas e figurantes de diferentes origens, nacionalidades e temperamentos, saltitando entre o Norte de África, Itália ou a Palestina, encontramos neste "Koinsky..." algumas das temáticas caras a Pratt, nomeadamente os absurdos em que as guerras são

férteis e o predomínio do indivíduo e do livre arbítrio sobre as massas e as imposições a que são sujeitas, e não deixa de ser curioso que relatos com mais de seis décadas, já levantem questões que hoje, como afinal então, embora com perspectivas diferentes, já eram actuais e fracturantes, como a independência de algumas repúblicas da ex-URSS ou o destino do território da Palestina, que nos nossos dias continuam na ordem do dia e sem resolução.

Obras de Pratt: Koinsky

Hugo Pratt

Ala dos Livros

196 páginas, 39,90 euros

F. Cleto e Pina