Dei por mim, cedo na manhã desta terça-feira, a resmungar contra o tempo. Tudo porque decidi sair à rua sem sobretudo, depois do “calor” que marcou o início da semana aqui no Porto, e, afinal, faz-me falta. A sensação térmica é uma coisa estranha. E ampla. Chegada ao jornal, ao abrir o Relatório Global do Estado do Clima 2023, da Organização Meteorológica Mundial, rapidamente me arrependo das considerações matinais. Porque importa olhar o clima. Discutir o clima. Cuidar do clima.
Todos os recordes possíveis e imaginários foram quebrados. Qual murro no estômago. De temperatura na Terra e no mar. De emissão de gases com efeito de estufa. De subida do nível do mar. De degelo. De fenómenos climatológicos extremos. Como alertou, e bem, o secretário-geral das Nações Unidas, “as sirenes estão a tocar em todos os principais indicadores”.
Assim, a seco. 2023 foi o ano mais quente de sempre, com os termómetros 1.45ºC acima dos valores da era pré-industrial. A temperatura dos oceanos bateu máximos de 65 anos de observação. As concentrações de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso seguiram uma vertiginosa curva ascendente. Com níveis de degelo nunca vistos. Pára. Respira. Mas que importa o tempo?
Nunca estivemos tão perto do limite mínimo de 1.5ºC inscrito no Acordo de Paris. Ou seja, de limitar o aumento da temperatura a 1.5ºC. Quando, no ido 2021, noticiávamos a quebra histórica na casa dos 7% da emissão de gases com efeito de estufa, Filipe Duarte Santos, perito internacional em alterações climáticas, desmontava o feito. “Imaginemos uma piscina. Se reduzirmos o débito em 7% a piscina continua a encher. O nível de água só deixa de subir quando fechar a torneira”. Para cumprir a meta do Acordo de Paris, seria necessário, explicava na altura, uma redução de 6,5% durante dez anos.
A transbordar, sucedem-se os eventos extremos no Mundo. Como as secas, com graves impactos nos países mais pobres. Num efeito bola de neve, porque continuando a subir as emissões mais grave se torna o problema. Aqui, na Península Ibérica, com um clima mais quente e mais seco. Com secas mais recorrentes e duradouras. Como a que se vive no Algarve, às portas de mais uma enchente no verão.
Ainda iremos a tempo. Haja vontade política. De descarbonizar. De alocar recursos “significativos no novo Fundo de Perdas e de Danos”, como sublinhou o secretário-geral das Nações Unidas. Porque a emergência climática é hoje. O tempo é outra coisa. Com ou sem sobretudo.