Cultura

Kim Gordon: da juventude sónica ao estilismo do ruído

Kim Gordon é um ícone da música, mas também da moda e artes visuais, há quatro décadas Direitos reservados

Segundo disco a solo da ex-Sonic Youth, editado a 8 de março, pela Matador, revela uma artista num estado de arrojo e inquietação permanente.

Em “A miúda da banda”, autobiografia de 2015, Kim Gordon escrevia como, em geral, as mulheres não podem (não lhes é permitido) ser “arrasadoras” – tradução difícil e não exata da usada, “kick-ass”. Um paradigma que contrariou com glória; agora de novo, com 70 anos, a lançar um disco com arrojo, inquietude, experimentação, dissonância feita arte.

Desde há quatro décadas, Kim Gordon é um ícone. Da música, da moda, das artes visuais. A 8 de março, voltou com “The collective”, coleção semi-conceptual de temas que nos deixa de queixo caído, mente abanada, algum desconforto – como muitos dos grandes álbuns fazem.

Começando a carreira nos Sonic Youth, casando com o vocalista, Thurston Moore (o fim do casamento terminaria a banda em 2011), Kim cresceu num mundo e numa cultura que a própria descreveu como misógina: lembrava há anos como parece haver sempre “uma parede invisível de homens” a ultrapassar.

Quase inadvertidamente, a tímida rapariga que equilibrava a barreira sonora do grupo com o seu lado mais doce, tornou-se num exemplo, um modelo. Enquanto os Sonic Youth desconstruíam o rock e o pós-punk, Kim era empoderamento feminino quando o conceito era menos usado; era feminilidade e garra, vulnerabilidade e ‘cool’, liberdade e força. E arte, a mesma que imprime na música, nos quadros que expõe, na escrita, nos vídeos.

“The collective” volta a ser todos estes seus lados, numa impressionante mistura. Justin Raisen, o produtor, de volta depois do seu primeiro disco, chama-a ao NYTimes de “estilista de ruído”. Aqui, não há medos, amarras, ageísmos ou comodismos. Há guitarras sujas, shoegaze, escuridão, letras tumultuosas que exprobram a sociedade.

Há barulho, tensão, dissonância e distorção, constantes e obsidiantes, batidas; hip hop, dub, trap industrial e autotune enlaçados com o seu ‘cantar a falar’ – em “Bye bye” (com a filha Coco no vídeo), recita uma lista de produtos, e resulta, tendo viralizado no tiktok. É como se os anos 90 e a alucinante e sensorialmente sobrecarregada sociedade moderna se juntassem; e deles nascesse desconcertante música. 

"The collective"

Kim Gordon

Matador

Patrícia Naves