Cultura

Dimitris Papaioannou: “Consigo satisfazer a fome que as novas gerações têm”

Dimitris Papaioannou, coreógrafo e intérprete de "ink": "É muito bonito [esgotar a sala], especialmente quando faço coisas tão estranhas, monto estas atmosferas tão bizarras..." FOTO: DR

Coreógrafo grego estreia esta quinta-feira “Ink” no Teatro Rivoli, no Porto. Ao JN, a estrela de 59 anos anuncia que esta será a sua última vez em palco como bailarino.

Dimitris Papaioannou, figura maior da dança contemporânea europeia, traz ao Teatro Rivoli, no Porto, três récitas de “Ink” – quinta-feira, sexta e sábado, sempre às 19.30 horas.

Este seu novo espetáculo coreográfico marcará, como revelou ao JN, a sua despedida do palco como intérprete. Aos 59 anos diz que, até aos 50, era uma figura avant-garde da cena teatral de Atenas, e agora esgota salas internacionalmente. Parte desse êxito deve-se a “Still life”, coreografia que apresentou em Braga e que era o  contraponto deste “Ink”. 

Qual foi o gatilho de “Ink” ?

Durante a pandemia começámos a brincar com uma instalação teatral em que eu tinha uma imagem de gotas de água. Então,  montamos os aspersores no estúdio e eu e o Suka Horn fomos explorar e ver o que acontecia. 

O último espetáculo “Tranverse orientation” tem alguma ligação com este?

Sim, há uma ligação com “Tranverse orientation”, uma paternidade sobre a masculinidade e rituais iniciáticos dos homens para a vida adulta. Mas agora temos um homem solitário a sonhar com o homem jovem que já foi. Há um certo efeito de espelhismo, mas apenas no meu coração. Nessa época, tinha acabado de perder o meu pai e agora eu sou o meu pai. 

Portugal parece entender esse espelhismo e aprecia-o: as três récitas no Porto já esgotaram...

Sinto-me muito lisonjeado. É  muito bonito, especialmente quando faço coisas tão estranhas, monto estas atmosferas tão bizarras... Por isso, é muito lisonjeador pensar que chego ao coração das pessoas. Porque até eu ter 50 anos, era apenas uma estrela avant-garde em Atenas. 

A partir dos 50 anos a sua vida mudou? É o sentido da finitude?

Esta será a minha última vez em palco, porque não é algo que possa fazer por muito mais tempo. Mas gosto de testemunhar a juventude que me vem ver e inunda-me outra vez o sentido de paternidade. Eu consigo satisfazer alguma da fome que as novas gerações têm. Isso torna-me relevante eu estou a plantar sementes no coração das novas gerações. O que é muito interessante, porque eu não sou uma estrela da pop ou do cinema. Mas, claro que há uma dimensão pop naquilo que eu faço. 

Consegue sair do palco sem ter o sentido da perda?

Neste momento estou tão cansado que tudo o que consigo sentir é um certo alívio. Claro que há sempre uma dimensão de tristeza nas coisas que sei que já não poderei fazer. Mas também sei que não posso ir para uma festa toda a noite e ir trabalhar no dia seguinte como se tivesse 20 anos. Eu estou cheio de feridas do espetáculo, a minha pele não aguenta e, claro que agora demoro o triplo do tempo a cicatrizar. 

Envelhecer também lhe dá muitas primeiras vezes?

Sim. Por outro lado, a criança que vive em mim é cada vez mais anárquica. Quanto te libertas das ambições e de tentar ser um bom rapaz, sendo apenas sério nas coisas sérias e deixando as miudezas da vida na indiferença, é bom. 

Porque escolheu o nome “Ink”?

Eu tenho um padrinho que batiza todas as minhas peças. "Ink" [tinta] vem de pintura, mas também do polvo. E é também uma ligação às primeiras bandas desenhadas que eu fazia. Por outro lado, tem também o sentido de extrair algo de alguém. 

A imagem do polvo é muito grega...

Tenho uma imagem muito forte de homens jovens a baterem com os polvos contra as rochas para ficarem tenros. Uma imagem muito violenta daquela coisa tentacular... E também muito sexual.

Os seus gatilhos são sempre imagéticos?

O meu processo passa sempre pelas relações das imagens , das formas, das cores – como um pintor clássico. Ainda que aquilo que faço não é, ao contrário do que muita gente pensa, um teatro de imagens. Sou um pintor clássico.

Catarina Ferreira